Terminei Baldur’s Gate 3 depois de quase um ano de jogo (ou 250 e tantas horas) e, olha, o vazio pós-game é real.
Aquele vazio de quem se despede de personagens com quem você conviveu intensamente, dividiu decisões absurdas, dilemas morais, derrotas humilhantes, vitórias épicas e até trocou fluidos corporais.
Foi estranho desligar a TV e perceber que aquele mundo não está mais me esperando do outro lado da tela. (até a próxima run)
BG3 virou instantaneamente um dos meus jogos favoritos. A construção de mundo é insana. Os relacionamentos têm mais nuances do que muita série. A narrativa se dobra sobre si mesma de um jeito que te faz sentir parte da autoria. E os gráficos… bom, digamos que eu entendi por que demorei mais de 250 horas: eu realmente parava pra olhar as paisagens.

Apesar de ter um 3 no nome, não é preciso jogar nenhum game anterior a esse. A história de Baldur’s Gate 3 se passa mais de 120 anos após os acontecimentos de Baldur’s Gate 2: Shadows of Amn (lançado em 2000 👀) e começa com o jogador sendo sequestrado e infectado por parasitas de Devoradores de Mentes. Ele deve escolher entre sucumbir à corrupção e aceitar o (misterioso) poder que cresce dentro dele, enquanto busca uma cura e o motivo por trás da infecção.
A aventura, em três atos, envolve formar uma equipe, explorar o enorme mundo dos Reinos Esquecidos, tomar decisões que REALMENTE afetam drasticamente a trama (reza a lenda que são 17 mil finais diferentes) e tanto o seu destino quanto de seus companheiros.
Tudo é profundamente baseado em Dungeons & Dragons: raças, classes, magias, criaturas e deuses são retirados diretamente do livro de regras, o sistema de combate por turnos segue a lógica da quinta edição do sistema, e por aí vai. Baldur’s Gate em si é a cidade mais famosa do mais popular cenário de Dungeons & Dragons. Dizem as boas línguas, aliás, que BG3 é, de certa forma, a experiência mais próxima que um videogame já chegou de mestrar uma campanha completa de D&D, mas com uma produção cinematográfica por cima.
A Larian Studios começou a concepção do projeto do game por volta de 2016. Em 2020, ele entrou em acesso antecipado, em que o Ato 1 ficou disponível para testes, feedback e ajustes da comunidade. O lançamento oficial e completo aconteceu em agosto de 2023. Ou seja, foram aproximadamente 7 anos entre início do desenvolvimento e lançamento definitivo, além de mais de 3 anos de testes abertos moldando o jogo 🤯.
E tudo valeu a pena. Afinal de contas, Baldur’s Gate 3, além de ganhar nossos corações, foi o único game da história a ganhar TODOS os cinco principais Game of the Year da indústria: The Game Awards, DICE, BAFTA, Game Developers Choice Awards e Golden Joystick.
O primeiro RPG a gente não esquece

Entrar no universo de Baldur’s Gate 3 foi como ser sugada pra uma fenda dimensional. Eu comecei meio desconfiada, meio desengonçada, sem saber pra onde correr ou o que apertar.
Eu nunca tinha jogado um RPG antes. Nunca. Nem de tabuleiro. Me lancei sem entender o que era proficiência, iniciativa, ação bônus, ataque de oportunidade e os caralho a quatro; no início, parecia que eu estava lendo uma bula de remédio medieval.
Mas, de algum jeito, BG3 abriu os braços e disse: “fica tranquila, meu amô, que você aprende no caminho”. E aprendi.
Em poucas horas de jogo, era como se eu conhecesse a mecânica desde que nasci. O combate por turnos, que antes parecia frio e calculado, foi se revelando uma dança. Cada escolha de arma, magia e movimento tinha peso. De repente eu me vi planejando lutas, combinando habilidades, comemorando um ataque crítico como quem ganha na loteria.
Baldur’s Gate 3 me ensinou a amar RPG e, honestamente, estragou todos os outros jogos por um tempo, porque agora eu fico esperando esse nível de profundidade em tudo.
A magia das escolhas em Baldur’s Gate 3
Nada no game é à toa. Uma fala mal escolhida, um “depois eu faço”, um NPC que você salvou só porque estava ali passando… tudo muda a história, mesmo que você não perceba na hora. Desde que joguei Life is Strange (lá vai eu falar dele de novo), me apaixonei por jogos de escolha, mas nada do que experimentei até hoje se compara com BG3.
É muito massa como pequenas decisões conversacionais podem virar “terremotos” narrativos. Uma opção de diálogo tipo “tentar acalmar” um personagem pode evitar uma guerra inteira; um elogio sincero pode abrir o coração de alguém; um vacilo pode te render um inimigo declarado. Claro que você também precisa contar com a sorte dos dados muitas vezes, mas o que importa é que não existe caminho neutro. Baldur’s Gate 3 te olha no fundo da alma e diz: “vai ser responsável pelos seus atos sim, vagabunda”.
Aliás, ouvi de várias pessoas que é difícil ter um final realmente feliz pra todo mundo em BG3. Não sei se é mito ou se eu dei muita sorte, mas o meu final foi tão pacífico, tão bonito, tão Manoel Carlos que só faltou alguém aparecer grávida no meu acampamento com o Tony Ramos tocando sax.
Eu segui a rota “boazinha” (cara, não consigo evitar) – o que é irônico, considerando que minha personagem era uma bárbara. Aparentemente, ser explosiva e ser gentil não se anulam em Faerûn. Ajudei quem deu pra ajudar, conversei com quem deu pra conversar, resolvi tretas que nem eram minhas e fiz até os azedos da party gostarem de mim (Lae’zel, estou falando com você).
Uma fanfic de mim mesma

Uma das melhores partes de Baldur’s Gate 3 vem logo no começo: criar o seu personagem. E quando eu digo criar, é criar MESMO. É quase escrever uma fanfic sobre você, só que com mais opções de chifres, cicatrizes e tons de pele do que qualquer outro editor de personagem. É origem, classe, raça, aparência, personalidade… por pouco não dava pra ajustar o tamanho do peito e da bunda, porque a Larian claramente estava disposta a ir até o fim pelo realismo.
Enquanto eu definia todos os itens de personalização, confesso que eu não sabia muito o que estava fazendo. Ia ajustando, testando, voltando, do jeito mais The Sims possível. No fundo, eu estava mais preocupada com o “feeling” da personagem do que com a eficiência dela em combate. Afinal, como resistir quando o jogo te entrega um editor tão livre que até a VOZ é customizável?
Só nessa parte foram umas duas horas de “gameplay”.
No fim, escolhi ser uma bárbara gostosona forasteira meio-elfo da floresta. Talvez eu estivesse canalizando minha frustração de ser alguém que tenta frequentar academia com disciplina. Ou por algum motivo meu subconsciente achou coerente interpretar “aventura épica” como “e se eu vivesse sendo ligeiramente deslocada em todos os lugares?” O que Freud diria?
De qualquer forma, a fantasia de usar um penteado viking e dar marretadas em criaturas hostis me conquistou.
Mas o mais curioso é que, ao longo da minha campanha, em muitos momentos, eu esquecia que essa personagem era exclusivamente minha. Esquecia que ninguém mais no mundo estava jogando com ela, e que cada protagonista é único pra cada jogador. Isso ampliou muito a sensação de que a história era algo particular, só meu.
O caos organizado dos turnos de Baldur’s Gate 3
Antes de BG3, “combate por turnos” pra mim era uma expressão abstrata, tipo “mercúrio retrógrado” ou “taxa Selic”: eu sabia que existia, mas nunca tinha parado para entender de verdade. Depois, percebi que eu já havia, sim, experimentado combates por turnos em outros jogos – qual millennial não se lembra dos Pokémon Red, Blue e Yellow pra Game Boy? Mas numa versão beeem menos complexa, claro.
Em Baldur’s Gate 3, ele funciona assim, em linhas simples: todo mundo rola iniciativa (um jeito elegante de dizer “quem age primeiro”), e aí cada personagem tem um turno com ações, ações bônus, movimento, truques, magias e todas aquelas coisinhas que fazem o cérebro de qualquer iniciante fundir. Mas, como eu disse, tudo isso fez sentido muito mais rápido do que imaginei.
Em poucos combates eu já estava usando o terreno a meu favor, aproveitando altura pra ganhar vantagem, tacando objetos aleatórios nos inimigos (uma das minhas modalidades favoritas), combinando poderes da party e empurrando criaturas de penhascos como se fosse um esporte olímpico 🤓.

O jogo também é inteligente o suficiente para analisar suas estratégias de combate, e isso afeta diretamente a quantidade de experiência que seu time ganha. Se você resolve problemas de forma criativa, se usa o ambiente, se improvisa, se arrisca, BG3 reconhece e te recompensa. “Boa ideia essa aí! Toma aqui uns pontinhos.”
Tudo o que se desenrola no “ringue” depende de quem está na sua party naquele momento, por onde você chegou, se você atacou primeiro, de onde você atacou, se foi furtivo, se foi surpreendido, se erra ou acerta um ataque, etc. Ou seja, cada combate é completamente único.
Companheiros e relacionamentos (ou: como me vi preocupada com pessoas que nem existem)

Um dos pontos mais incríveis do roteiro de Baldur’s Gate 3 é o jeito como ele constrói seus companheiros. Astarion, Umbralma, Karlach, Gale, Lae’zel, Wyll… cada um deles é praticamente um universo inteiro comprimido em forma de personagem.
Todos têm seus traumas, suas crenças, suas lealdades, suas contradições que a gente descobre aos poucos, conforme se aproxima, escuta, conversa, faz escolhas que agradam ou irritam cada um. Não me impressiona mais me apaixonar por seres de pixels desde Life is Strange (ih, de novo!), e aqui não foi diferente. E olha que alguns personagens, no começo, não me despertaram a menor simpatia.
Eu torcia o nariz, pensava “não vai rolar conexão”, e cinco horas depois estava defendendo essas mesmas pessoas com unhas, dentes e magias de nível quatro. Fontes não confirmam, mas pode ser que eu já tenha acordado no meio da madrugada pensando “será que o Gale está bem depois daquele babado?”
Boa parte dessa força vem da atuação do elenco. As expressões, o timing, as sutilezas na voz, as pausas… a Larian usou full performance capture, que grava ao mesmo tempo voz, expressões faciais, movimentos corporais e gestos espontâneos; ou seja, não é só dublagem em cabine, vários atores realmente atuaram fisicamente. O destaque mais comentado, aliás, é o Neil Newbon, dublador/ator do Astarion, que ganhou o BAFTA de Melhor Performance e virou um amor global instantâneo.
E nessa de relacionamentos, claro, tem a parte mais gostosa: os romances.
No meu caso, tudo começou inocentemente com a Umbralma. Houve clima, houve troca de olhares, houve beijo – aquele flerte inicial que poderia ter sido o início de uma grande fanfic. Mas tudo mudou no momento em que eu conheci a Karlach.
A Karlach virou fácil minha personagem favorita de BG3. Apesar de ser uma bárbara (olha aí o primeiro match com a minha protagonista) e uma tiefling, que tem aquela aparência intimidante de quem pode te atravessar a parede, ela tem o coração mais gentil, doce e engraçado que Faerûn já produziu. Karlach é corajosa, tem alguns dos melhores diálogos do jogo, e carrega dentro de si um fogo inapagável (literalmente e emocionalmente falando).

Baldur’s Gate 3 também tem cenas safadas que não colocarei neste texto pois sou bela, recatada e do lar
Mas deixa eu contar a parte tragicômica: o primeiro encontro que tive com ela… terminou com ela morta.
Sim. Eu a matei. O jogo colocava Karlach como inimiga do Wyll e, sem pensar muito, eu fui lá e puff: resolvi a situação da pior maneira. Mas Deus colocou a mão no meu ombro e sussurrou: “Faz isso não, minha filha.”
Voltei pro save anterior, respirei fundo e decidi DIALOGAR antes de partir para o ataque. E assim, num plot twist divino, Karlach entrou para a minha party e nunca mais saiu. Acho que só deixei ela de fora uma única vez, e mesmo assim me senti culpada. Fico até com ciúmes pensando que, em outras realidades paralelas do jogo, ela foi namoradinha de outros jogadores, visto que claramente ela e a minha protagonista foram feitas uma pra outra. Alô, é do CAPS?

E como se tudo isso já não fosse suficiente, o background dela foi o que mais me tocou. Não vou dar spoiler (esse não pode mesmo), mas digamos que a história da Karlach se resolve nos minutos finais do jogo, e eu estava desesperada pra saber o que minhas escolhas fariam com ela.
Mas, como eu disse antes: meu final foi incrível e o amor venceu etc. ✨
Entre humor, drama e liberdade: BG3 como uma história que você escreve sem notar
Outra coisa que me marcou em Baldur’s Gate 3 é como o game parece entender perfeitamente o equilíbrio da vida (ou do dia de um TDAH): um minuto você está chorando numa cena emocional, e cinco minutos depois está jogando um goblin de um telhado ou ouvindo um NPC aleatório discutir sobre pão. A escrita do jogo transita entre drama, humor, ternura e loucura com a maior naturalidade.
Mas, nunca é demais frisar, mesmo com tudo isso roteirizado, BG3 passa a sensação de que você está escrevendo uma história sua. Meio louco pensar, mas é como o jogo fosse mais o guia e menos o dono da narrativa, porque existe um fio invisível ligando cada escolha sua ao próximo capítulo, e esse capítulo só existe porque você quis.
E aqui entra a parte que transformou Baldur’s Gate 3 num dos mundos mais vivos que já joguei: a exploração.
Nos mapas das regiões, cada canto tem alguma coisa. Porões escondidos, casinhas aleatórias que guardam um segredo, um item, um diálogo, um easter egg, uma historinha triste, um cadáver com bilhete, um baú que você não deveria abrir… quase nada está ali por acaso. E por isso mesmo que dá vontade de andar devagar só pra não perder nada.

Pra muito gamer experiente, 256 horas de jogatina não são nada, mas pra mim foi quase um ano inteiro imersa, e com certeza absoluta tem muita coisa nos cenários que eu sequer descobri (lembro de marcar um ponto no mapa que eu queria investigar, mas ainda não tinha acesso, e acabou que minha gameplay nunca me levou até lá de novo). É uma liberdade que transforma a exploração numa experiência autoral.
No fim das contas, Baldur’s Gate 3 acabou virando mais do que um jogo: foi companhia, desafio, catarse, válvula de escape e, em muitos momentos, foi um lugar onde eu podia simplesmente existir por algumas horas.
E quando os créditos finais começaram a subir, gosto de pensar que não foi simplesmente uma campanha de RPG que chegou ao fim. Mas, sim, uma história que eu tive o privilégio de ajudar a contar.
Atualmente, BG3 está disponível pra PC (Windows), macOS, PlayStation 5 e Xbox Series X|S. Não tem versão para PS4, Xbox One ou Nintendo Switch (o jogo é grande, pesado, expansivo, e simplesmente não roda nas gerações anteriores).
Nota:





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