Bem-vindos a Derry é a série derivada do universo de IT – A Coisa, criada por Andy Muschietti, Barbara Muschietti e Jason Fuchs. Ela funciona como um prelúdio, explorando a cidade de Derry décadas antes dos eventos dos filmes e livro, mostrando como o mal que habita ali (a Coisa, vulgo Pennywise) influencia a cidade em ciclos de violência e medo.
É bem Stephen King raiz: terror misturado com crítica social, memória coletiva e aquele clima de cidade pequena onde todo mundo finge que nada está errado.
Quando soube da existência de Bem-vindos a Derry, fiquei imediatamente empolgada. Não só por ser uma série da HBO, famosa por suas produções de alto nível, mas porque A Coisa é um dos meus livros favoritos da vida. Naquele nível em que a história te acompanha por anos, volta e meia reaparece na memória e nunca se esgota por completo 💛.
E Derry, por si só, é um personagem à parte: no romance, Stephen King a constrói com um detalhamento tão incrível que só faltou incluir uma página com o mapa da cidade. Ruas, comércios, hábitos, moradores, tragédias históricas, os silêncios convenientes… tudo contribui pra criar a sensação de um lugar que respira, observa e, inclusive, participa do horror.
Por isso, a ideia de uma série que se propõe a expandir esse universo, explorando alguns dos eventos que no livro aparecem quase “de passagem”, como notas históricas, sempre me pareceu promissora. Como, enfim, uma chance de mergulhar ainda mais fundo naquilo que torna Derry um lugar tão amaldiçoado quanto fascinante.
Não à toa, passei os 8 episódios de Bem-vindos a Derry atenta a easter eggs, diferenças entre a série e a obra original e, claro, às referências ao multiverso do King:
1. A mitologia da Coisa e os indígenas
A origem da Coisa sempre foi um terreno nebuloso. No universo live-action criado por Andy Muschietti, ela é apresentada de forma mais mítica: uma força ancestral que cai no nosso planeta dentro de uma estrela cadente e passa a assombrar a região que, séculos depois, se tornaria Derry.
Já no romance, Stephen King descreve a Coisa como uma entidade extradimensional antiga, vinda de fora do nosso universo, que aterrissa na Terra por volta de 1 milhão a.C., muito antes de qualquer ocupação humana.
No livro, Pennywise passa a se alimentar de crianças humanas não por preferência inicial, mas por necessidade: quando os humanos surgem, eles se tornam a fonte de alimento mais abundante — e, sobretudo, mais saborosa, já que o medo “tem gosto melhor”.

A série, por outro lado, amplia essa lógica: lá, a Coisa ataca qualquer humano que se aventure pela floresta onde caiu, sugerindo um predador mais ativo, menos seletivo e ainda em fase de adaptação ao mundo.
Talvez a maior diferença esteja na introdução da cultura indígena e nas “adagas” feitas da estrela cadente. No livro, Stephen King não faz qualquer menção a povos originários, à “jaula” ou a uma relação direta entre eles e a Coisa. Já a série — seguindo uma decisão criativa que começou em It: Capítulo Dois — apresenta a tribo Shokopiwah, criada por Muschietti, como os primeiros habitantes da região e os primeiros a testemunhar a chegada do mal.
Essa adição não existe no material original, mas faz sentido historicamente. Os Shokopiwah são inspirados nos Wabanaki, povos indígenas que vivem na região do Maine há cerca de 15 mil anos. Se Pennywise caiu na Terra muito antes da formação de Derry, é lógico supor que os primeiros encontros humanos com a entidade tenham sido indígenas.
2. A tartaruga Maturin

Se você nunca leu A Coisa, é bem provável que as referências à tartaruga em Bem-vindos a Derry passem despercebidas. Mas, pra quem conhece o livro, elas são quase uma sirene.
Não vou entrar em detalhes porque Andy Muschietti já confirmou que a série vai abordar Maturin, a tartaruga cósmica que ocupa um papel fundamental no universo de Stephen King e mantém uma antiga rivalidade com Pennywise. Por ora, basta dizer que, se a Coisa representa o caos, Maturin está ligada à criação, ao equilíbrio e à ideia de que o mal não é absoluto.
No romance, Maturin se apresenta a Bill Denbrough quando ele tenta envolvê-la no Ritual de Chüd em 1958. Por sua vez, em Bem-vindos a Derry, logo no primeiro episódio, a série já começa a semear essa presença. O mascote da Derry High School é “Bert, a Tartaruga”, que repete seu slogan “abaixem-se e protejam-se” no caso de um desastre nuclear. E a imagem da tartaruga como símbolo de proteção, resistência e sobrevivência conversa diretamente com o papel que Maturin desempenha no livro.
Aliás, na icônica cena da carnificina no cinema, a única sobrevivente é a Lilly que, coincidência ou não (não é), se abaixa e se protege entre as poltronas.
Nossa menina, que aparentemente sorri apenas duas vezes ao longo dos episódios, inclusive recebe de Matty dias antes um pingente de tartaruga. Duplamente protegida, ainda que sem 1 momento de paz na trama.
3. A pichação de Alvin Marsh

Quando Lilly conta à Marge que ouviu Matty falando com ela pelo ralo da banheira, Marge imediatamente a puxa pra uma das cabines do banheiro feminino e pede que ela não pague mico na frente das Pattycakes.
Se você olhar com atenção pra porta da cabine, verá o nome “Alvin Marsh” escrito dentro de um coração.
Alvin é o pai abusivo de Beverly Marsh, uma das integrantes do Clube dos Otários. No livro, ele representa uma das faces mais nojentas do tal horror cotidiano: o abuso doméstico com cheiro de pedofilia. Imaginar que alguém da escola é apaixonada por esse cuzão (que já devia ser cuzão desde sempre) faz meu rosto virar uma careta.
4. Matty e Ronnie existem no livro, mas de outra forma

Embora Bem-vindos a Derry apresente Matty e Ronnie como personagens “novos”, ambos têm raízes diretas no romance, ainda que bastante transformadas.
“Ronnie”, na verdade, é Veronica Grogan, uma personagem mencionada algumas vezes no livro. No material original, Veronica tem apenas nove anos e morre pelas mãos do Pennywise no mesmo verão em que o Clube dos Otários o enfrenta pela primeira vez, em 1958 (no filme, é nos anos 1980).
Matty, por sua vez, tem inspiração em dois personagens distintos, ao que parece. O primeiro é Matthew Clements (mesmo nome na série), um garotinho de apenas três anos que é morto por um Pennywise faminto por baby beef, também em 1958. Essa morte acontece “fora das páginas”, mas o nome de Matthew é citado frequentemente, e sua voz é uma das que Beverly Marsh ouve vindo dos ralos do banheiro.
O segundo personagem é Eddie Corcoran, outra vítima da Coisa. Eddie é mais velho, sofre abuso doméstico e foge de casa após seu padrasto matar seu irmão mais novo. Ele acaba encontrando a Coisa enquanto dorme na rua — um background bem parecido com o que deram ao Matty da série.
5. Will Hanlon é pai de Mike Hanlon

Desde o anúncio da série, muitos fãs presumiram que o filho de Leroy Hanlon (personagem já anunciado) seria Will Hanlon, o futuro pai de Mike Hanlon, integrante do Clube dos Otários. A suposição fazia sentido; afinal, no livro, o pai de Will se chama Leroy. Ainda assim, havia margem pra dúvida, uma vez que a mãe de Will no romance se chama Shirley, não Charlotte, o que deixava aberta a possibilidade de a série estar apenas brincando com nomes e expectativas.
Essa ambiguidade cai por terra no episódio 2, que traz a confirmação oficial. Logo no início, somos apresentados a Will Hanlon, interpretado por Blake Cameron James, chegando a Derry ao lado da sua belíssima mãe, Charlotte, para se reunir com Leroy.
Ao mostrar Will ainda criança, Bem-vindos a Derry acaba adicionando uma nova camada triste à história do Mike. Sabemos que Will vai crescer, vai permanecer em Derry (como bem mostra o último episódio), enfrentar o racismo estrutural da cidade e, décadas depois, vai morrer por causa de um incêndio. Lembram quando a Coisa assume a forma de um corpo carbonizado pra assustá-lo durante a pescaria?
Falando em incêndio, no livro, Will confidencia a Mike que só escapou do Black Spot porque Dick Hallorann o ajudou com seus dons espirituais!
O que nos leva ao próximo tópico:
6. Dick Hallorann! ✨

Pra maioria dos leitores, fãs e devotos de Stephen King, o nome Dick Hallorann remete imediatamente a O Iluminado. Mas, como acontece com muitos personagens do autor, ele não pertence a uma única história.
Em Bem-vindos a Derry, vemos pela primeira vez uma versão jovem do Hallorann na interpretação de Chris Chalk, seguindo os passos de Scatman Crothers, que o eternizou na adaptação de O Iluminado dirigida por Stanley Kubrick, e de Carl Lumbly, que assumiu o papel em Doutor Sono, de Mike Flanagan (essa adaptação ainda não assisti porque não curti taaanto o livro).
Aqui, ele circula pela Base Aérea de Derry, trabalha ao lado dos militares americanos e está envolvido na Operação Precept, que traz uma aura política e conspiratória que não existe em O Iluminado, mas dialoga bem com a ideia de poderes psíquicos como algo raro, valioso e potencialmente perigoso.
Apesar de nada disso acontecer no romance, como eu disse no tópico anterior, a ligação de Dick Hallorann com A Coisa não é uma invenção da série.
7. A família Bowers prova que uma cesta pode ter só maçãs podres

Muitas das referências de Bem-vindos a Derry passam pelos nomes e sobrenomes. Nesse contexto, o chefe de polícia Clint Bowers dificilmente é uma escolha inocente.
Considerando a linha do tempo da série e a idade de outros personagens, tudo indica que Clint seja avô ou tio-avô de Henry Bowers, o valentão que aterroriza o Clube dos Otários tanto no livro quanto nos filmes. Embora a série nunca declare essa relação de forma explícita, a conexão implícita é coerente com a personalidade de Clint: um cara autoritário, pouco empático, confortável em exercer poder de forma opressiva, racista.
E, ao posicionar um Bowers no comando da polícia, Bem-vindos a Derry reforça que o ciclo de brutalidade é, além de sobrenatural, institucional.
8. A Taverna Falcon

O bar onde Dick Hallorann aparece bebendo com dois amigos no episódio 2 é referência direta a um estabelecimento citado logo no início de A Coisa: a Taverna Falcon. No livro, o local pertence a Elmer Curtie, e é justamente esse o nome pelo qual Bowers chama o barman na série. Obrigada pelos mimos, Muschietti.
A Falcon passa anos praticamente vazia, sem grande relevância pra cidade. Isso muda no fim da década de 1970, quando o bar começa a se tornar um ponto de encontro popular pra homens gays do Maine. É ali que Adrian Mellon e seu namorado, Don Hegarty, costumavam frequentar antes do ataque brutal que abre o livro: um dos crimes mais explícitos de ódio em A Coisa e um dos primeiros sinais claros de que Pennywise despertou novamente.
Aliás, eu AMO toda a sequência que narra o grupo homofóbico perseguindo o casal até culminar no ataque do palhaço. A atmosfera que King criou foi incrível, apresentando os fatos intercalando depoimentos à polícia da gangue e do rapaz que sobreviveu.
9. O Asilo Juniper Hill

Juniper Hill é a clínica psiquiátrica onde, a todo instante, ameaçam internar a póbi da Lilly em Bem-vindos a Derry.
Mas, pra quem leu A Coisa, o nome soa imediatamente familiar : Henry Bowers acaba internado em Juniper Hill após ser condenado pelo assassinato do próprio pai. Ou seja, tá mais pra um destino recorrente pra personagens quebrados, descartados ou inconvenientes demais pro mundo exterior do que um hospital propriamente dito.
Juniper Hill, inclusive, atravessa boa parte da obra de Stephen King. Ele aparece em romances como Insônia, Trocas Macabras, Novembro de 63 e Jogo Perigoso, sempre associado a essa ideia de confinamento, instabilidade mental e apagamento social. Dentro das adaptações live action, ele ganhou sua representação mais explícita na série Castle Rock, do Hulu (por coincidência, também estrelada por Bill Skarsgård, quem dá a vida ao Pennywise).
10. Theodore Uris é parente de Stan Uris

Teddy é um dos personagens que todo mundo jurou que seria parte da nova turma a enfrentar o Pennywise, mas que morreu de forma brutal logo no primeiro episódio. O que é massa não só pela coragem de eliminar de cara uma CRIANÇA (chora, Stranger Things) a quem já é possível se apegar, mas por mostrar o que Derry fazem com suas vítimas: as reduzem a um nome em um cartaz. Ele foi mais um entre tantos que morrem durante os ciclos da Coisa.
Tanto que, mais pra frente, em uma cena aparentemente banal em que moradores de Derry observam esses cartazes de crianças desaparecidas espalhados pela cidade, um deles tem a foto do personagem sobre o nome Theodore Uris. O detalhe confirma aquilo que muitos já suspeitavam: Teddy era, sim, parente de Stanley Uris, membro do Clube dos Otários. O que reforça isso é toda a sequência do jantar com sua família judia (Stan também era judeu).
11. Todo mundo que é preso vai pra Shawshank

Em Bem-vindos a Derry, Shawshank é a prisão pra onde o pai de Ronnie seria levado pra cumprir sua pena pelos assassinatos das crianças na sala de cinema.
Shawshank é extremamente reconhecível pra muitos leitores e espectadores como o cenário do maravilhoso filme Um sonho de liberdade (baseado no conto Rita Hayworth e a redenção de Shawshank, publicado no livro Quatro estações). Mas, dentro da obra de Stephen King, a prisão vai muito além desse único título. Ela é mencionada em diversos outros livros, como Sob a redoma, Dolores Claiborne e o conto O telefone do Sr. Harrigan (adaptado pra O telefone preto), funcionando como um dos pontos fixos do mapa do autor.
Em A Coisa, Shawshank é pra onde o padrasto de Eddie Corcoran (mencionado anteriormente) vai a fim de pagar pela condenação do homicídio contra o irmão caçula de Eddie.
12. O cofre mental de Dick Hallorann

No episódio 5, nos esgotos, Dick Hallorann é lançado pela Coisa em uma visão que o liga de forma direta à mitologia de O Iluminado e Doutor Sono.
Na visão, ele encontra sua avó, que o alerta sobre a chegada do avô abusivo. Os dois se comunicam telepaticamente, deixando claro que ela possui o mesmo dom que o neto, o “brilho”, uma habilidade que o avô despreza (e teme).
É em Doutor Sono que Hallorann conta a Danny Torrance que foi sua avó, Rose, quem o ensinou a esconder “brilhos ruins” dentro de caixas mentais, espécies de compartimentos psíquicos usados pra trancar memórias, traumas e entidades perigosas. É uma das ideias mais marcantes do livro: o dom só é uma bênção quando vem acompanhado de controle.
Muita gente se perguntou o que aconteceria com o personagem assim que a caixa foi aberta, e foi justamente o descontrole sobre o dom; Dick Hallorann passou a enxergar os espíritos anteriormente escondidos, que passaram a atormentá-lo, impedindo-o de usar o brilho com clareza. Ou seja, o objetivo da Coisa era só tirar um oponente forte do jogo.
13. A loja de segunda mão da Rose

Durante suas compras no segundo episódio, Charlotte entra na loja de antiguidades onde Leroy comprou o telescópio pro Will. Os objetos à venda parecem estar impecáveis e, o lugar, muito bem cuidado, ao contrário da descrição da “Secondhand Rose” em A Coisa.
No livro, Bill Denbrough, já adulto, é levado até a loja por um garoto da cidade que pergunta qual é a sua loja favorita. Ao chegar lá, Bill se depara com um cenário de vitrines sujas, produtos amontoados sem critério e um atendente antipático, que parece mais interessado em afastar clientes do que em vender qualquer coisa (bem diferente da Rose da série). Mas é lá que Bill compra sua antiga antiga bicicleta, Silver.
No filme, essa cena também acontece. E adivinha por quem ele é atendido? O próprio Stephen King, que parece ter sua versão jovem como assistente da Rose em Bem-vindos a Derry:

14. Periwinkle, Bob Gray e a Senhora Kersh

Li A Coisa duas vezes não me recordo de nenhum Bob Gray como um humano cuja aparência foi roubada pela entidade.
Mas com toda certeza essa trama de Periwinkle, a filha de Bob Gray, é uma criação original da série e do filme, que linka a personagem a A Coisa e a It: Capítulo Dois: o encontro de Beverly Marsh com a Sra. Kersh.
No livro e nos filmes, Beverly adulta retorna à antiga casa da família e descobre que a propriedade foi comprada por uma simpática senhorinha. Convidada pra tomar chá, Beverly inicialmente baixa a guarda, até que a mulher começa a se transformar em uma criatura de CGI grotesco (rs) e diz que seu pai era Bob Gray, mais conhecido como Pennywise, o Palhaço Dançarino.
Ainda que no episódio 6, quando Lilly está no sótão da sra. Kersh, tenha uma xícara idêntica à senhora-Coisa do segundo filme, a gente pode concluir que esta era só uma manifestação do Pennywise mesmo, e não a sra. Kersh de verdade.
Afinal, no epílogo da primeira temporada de Bem-vindos a Derry, ela se apresenta já muito idosa a uma Beverly ainda criança. A menos que ela tenha uns 130 anos de idade, foi mais um easter egg mesmo; uma gracinha pro Muschietti fingir que pensou nisso tudo desde o começo.
15. Esse estilingue mata mais do que bala de carabina, que veneno estricnina, que peixeira de baiano

Quando o pequeno Francis e a pequena Rose foram amigos de infância, eles compartilharam um estilingue, que deixou de ser um simples brinquedo quando a menina o usou pra confrontar a Coisa na floresta e arrancar seu olho performático. Foi o suficiente pra atrasar a criatura e salvar suas vidas.
No livro, temos um estilingue tão ou mais importante que esse. É com ele (e com balas de prata) que Beverly fere gravemente a Coisa em um dos momentos mais emblemáticos do romance. Uma cena que coloca os Otários virando o jogo contra Pennywise e que define a Bev como uma das personagens mais corajosas e decisivas do grupo.
Infelizmente, esse momento nunca foi adaptado nos filmes do Muschietti (mas foi no filme dos anos 1990 feito pra TV). Gosto de pensar que que ele se arrependeu e resolveu criar essa referência pra série.
16. A explosão da Siderúrgica Kitchener

Em A Coisa, a Siderúrgica Kitchener é palco de uma das maiores tragédias da história de Derry e vai ser abordada na terceira temporada da série. No início do século XX, durante uma caça aos ovos de Páscoa, a fábrica explode, matando 88 crianças e 14 adultos, rendendo uma boa churrascada pro nosso amiguinho dançarino.
A menção a esse acontecimento aparece de forma mais sutil em It – Capítulo 1: enquanto Ben Hanscom pesquisa a história da cidade na biblioteca pública, sua atenção é atraída por uma trilha literal de ovos de Páscoa que o conduz até a sala de arquivos. Ali, ele se depara com a visão de um cadáver decapitado e ainda fumegante — uma imagem que funciona como referência direta a Robert Dohay, personagem do livro cuja cabeça teria sido encontrada três dias após a explosão, pendurada em uma árvore próxima ao local do desastre.
Bem-vindos a Derry, aliás, retoma essa imagem após Dick Hallorann abrir sua caixa mental. Uma das visões que ele tem depois é logo a de um corpo sem cabeça (e fumegante)!
17. O massacre da Gangue Bradley

Já esse outro marco violento de Derry vai ser retratado na segunda temporada de Bem-vindos a Derry.
Depois do suspense plantado no episódio 2, era apenas questão de tempo até que o massacre da Gangue Bradley fosse citado explicitamente. Quando os militares estão fazendo as escavações, encontram o Cadillac da gangue, que foi “desmontado até os parafusos, sem que se encontrasse nada além de manchas de sangue e buracos de bala”.
Isso porque, como de praxe, a Coisa está sempre presente em eventos do tipo na cidade que levam a muitas mortes, e esse faz parte do ciclo de 1935 (nas adaptações), quando Derry inteira se juntou num tiroteio pra eliminar os mafiosos em plena luz do dia.
No livro, o massacre acontece em 1929, poucos meses antes do incêndio do Black Spot: o personagem Lal Machen, dono da loja de artigos esportivos, mobiliza os moradores locais sem perceber que está sendo subconscientemente influenciado por Pennywise (que infla o medo e deixa que a cidade faça o resto).
18. O incêndio no Black Spot

Desde os primeiros episódios, quando Dick Hallorann e os amigos precisam encontrar um canto sossegado pra dar uma pausa da base militar, Bem-vindos a Derry vinha se aproximando lentamente de um dos momentos mais angustiantes de A Coisa: o incêndio do Black Spot.
No livro, o ataque acontece em 1930 e é apresentado em um interlúdio, quase como um documento histórico dentro da narrativa: um clube frequentado por pessoas negras é incendiado por supremacistas brancos, com a “cumplicidade” da cidade e Pennywise presente, mas de forma indireta.
Ainda assim, senti que, em apenas um capítulo, Stephen King conseguiu criar uma atmosfera muito mais envolvente do que o que a série fez em 7 episódios. Lembro que foi uma das passagens mais sombrias do romance, e que mais me marcaram sentimentalmente falando. Entendo que os cacuras racistas colocaram fogo no Black Spot porque são racistas, e não porque queriam simplesmente só arrancar o pai da Ronnie de lá, mas, pra mim, isso tirou um pouco do peso.
É difícil competir com um livro, onde há tempo (e páginas) pra se desenvolver os pontos que você quer no ritmo que você quer, enquanto na série você está trabalhando vários plots ao mesmo tempo.
19. Marge é mesmo mãe de Richie Tozier!

Eu já comecei achando estranho terem colocado outro Rich na turma dos Otários da vez, a menos que esse nome tivesse muito significado, e não deu outra.
Em determinado momento durante a série, a HBO publicou no Twitter/X uma página do jornal fictício de Derry, que mostrava o nome “inteiro” da Marge: Margaret. Isso foi suficiente pra acender todos os alarmes dos fãs de A Coisa, afinal, Margaret Tozier é o nome da mãe de Richie Tozier tanto no livro quanto nas adaptações cinematográficas.
Desde então, a ideia de que Marge se tornaria a mãe de Richie ganhou força rapidamente. Assim como a teoria de que Rich se sacrificaria pra salvá-la, provavelmente no Black Spot; um ótimo motivo pra ela batizar o próprio filho com o nome dele décadas depois.
20. Pro Pennywise, o tempo não é linear?

O episódio final da temporada de Bem-vindos a Derry revela que Pennywise não vive o tempo como nós, humanos — em passado, presente e futuro. Pra ele, é tudo uma coisa só: “Amanhã, ontem… é tudo igual para o pequeno Pennywise”. Quem assistiu A chegada sabe o que essa parada significa.
A aparentemente única pista no livro de que a Coisa tem essa percepção do tempo está na visão final do Ritual de Chüd, quando Bill Denbrough entra na mente da criatura e percebe sua verdadeira forma cósmica. Lá, o tempo é descrito como não sequencial pra entidades extradimensionais como ela, onde passado, presente e futuro coexistem simultaneamente, permitindo que ela “veja” eventos futuros como memórias já vividas.

Porém, essa “não-linearidade” é mais cósmica e lovecraftiana, sem loops temporais intencionais pra impedir seu próprio fim, que foi o que a série inventou. E eu sinceramente não sei ainda se gosto da ideia.
Pra mim, a Coisa seguir um ciclo biológico rígido de hibernação e despertar a cada 27 anos pra se alimentar de medo em Derry já é uma mitologia forte o bastante. Ou pode ser que eu esteja muito apegada ao livro e resistente a alguns detalhes da expansão do universo que o Muschietti está fazendo.
Pennywise tentar acabar com os antepassados dos Otários pra que estes não acabem com ele acaba atribuindo, na minha opinião, uma aura de predestinação nas crianças e tirando toda a autenticidade e liberdade delas pra derrotar a criatura. São crianças comuns fazendo coisas extraordinárias. Por essa razão também não compro a ideia de que elas são iluminadas tal qual Dick Hallorann e Danny Torrance (e nada no material original me fez pensar que fossem).
Mesmo com minhas ressalvas, é impossível negar o cuidado com esse universo e o respeito pelo material original. Derry continua sendo esse lugar onde o mal é cultivado, herdado e convenientemente esquecido. E me deixa feliz que uma personagem com tanto potencial de adaptação e ampliação esteja ganhando vida, finalmente.
Bora pra próxima temporada, porque Derry, o verdadeiro monstro, continua faminta 😈.




Deixe um comentário