Mais do que preocupada, a dra. Amanda parecia intrigada. A bateria de exames cardiológicos à sua mesa não acusava problema algum, mas quando Saulo – seu paciente regular havia pouco mais de um mês – voltava ao seu consultório, os exames clínicos indicavam algum tipo de arritmia cardíaca.
Saulo tampouco parecia preocupado. Apesar de sedentário, não
estava acima do peso, se alimentava relativamente bem e não tinha nenhum outro problema
de saúde relevante. Pagava as contas do seu apartamento de um quarto com o
trabalho de designer freelancer, vivia sob a companhia de Capote, seu gato
mestiço, e se dirigia ao hospital da região de bermudas e chinelo de tempos em
tempos desde a primeira consulta de rotina.
Dra. Amanda disse que provavelmente não era nada, mas pediu
alguns exames. Não era nada mesmo. Fumava? Não. Sentia fadiga com frequência?
Não. Dormia bem todas as noites? Mais ou menos. De qualquer modo, nenhum motivo
pra se preocupar. Se continuasse incomodando, poderia marcar um retorno. Saulo
marcou alguns.
Dessa última vez, deixou a dra. sentada diante de uma
papelada com o seu nome no cabeçalho. Sentia-se ótimo apesar da suspeita, mas,
como sempre, garantiu que entraria em contato caso achasse necessário. E
provavelmente entraria, agora que ele secretamente admitia ter descoberto o
diagnóstico. Com um sorriso de canto, dobrou a esquina que o levava para casa
recordando dos cabelos louros, do seu perfume cítrico, do jaleco impecavelmente
branco e do seu coração disparando sempre que ela ousava tocá-lo com seu
estetoscópio: devia ser o que chamam de amor.