OBRIGADA, UNIVERSO, POR ESSES NOVOS FILMES E SÉRIES DE TERROR DECENTES
Obrigada, também, à Netflix, que acertou na produção de A maldição da residência Hill, nova série de terror que entrou no catálogo da plataforma em outubro e já tem feito uma galerinha se apaixonar. E, pasmem alguns, chorar – apesar da categorização já estar feita, a história é nos moldes daquele terror a la O orfanato do jeitinho que eu gosto, carregado de drama. Acho até que tem mais drama.
O diretor, Mike Flanagan, já fez seu nome no gênero terror assinando filmes como O espelho, Ouija: a origem do mal, Hush – a morte ouve, Jogo perigoso (esses últimos, na Netflix) e o ainda em pré-produção Doutor Sono, continuação de O iluminado. Embora eu tenha gostado de Hush e Jogo perigoso, com ressalvas, é nessa série que ele conquistou meu coração. Os dez episódios de A maldição da residência Hill contam a história da família Crain, que se muda para a tal residência Hill, conhecida como a casa mais mal-assombrada do país, a fim de venderem a casa depois de uma reforma por um preço bem mais alto e enfim poderem construir a "Casa Para Sempre" que a matriarca, arquiteta, projetou.
Seguindo outra coisa que muito me apetece – narrativa não linear –, esses episódios acompanham, cada um, a perspectiva de um membro da família, composta por marido, esposa e cinco filhos pequenos, intercalando os acontecimentos de quando todos moravam no casarão e dos status desses filhos, 26 anos depois de deixarem a casa. Na fase adulta, separados pelas famosas "coisas da vida", eles são obrigados a se reencontrarem devido a um acontecimento trágico.
Isso é muito bom para apresentar e desenvolver com calma os personagens e provocar empatia por cada um, que têm personalidades tão distintas e cativantes. A residência Hill é onde todos os cinco passaram uma pequena, mas significativa parte de sua infância, em que alguns pontos foram determinantes para as pessoas que se tornaram. E lá, claro, sim, por supuesto, é mal assombrado. Aí está o ponto terror: acompanhamos como as crianças lidam com os fenômenos sobrenaturais e espíritos que percorrem os cômodos, e como essas coisas os influenciam. Há jump scares (odeio, e, com certo orgulho, digo que caí em apenas um) e uma atmosfera constante sinistra na casa, com a ajuda de pouca trilha sonora, que merece ser chamada de personagem também. Em um dos episódios, alguém diz que ela funciona como um corpo humano; tem membros, pele e órgãos, e realmente parece que está viva. De tão enorme, parece engolir as pessoas que lá habitam, dona de um mal muito maior do que todos.
O ponto drama está na relação entre essa família que, seja no passado ou presente, envolve proteção, amor, desentendimentos, diferenças e união. A maldição da residência Hill fala, sim, sobre uma casa repleta de espíritos, mas fala principalmente daquilo que nos assombra; nossos medos, e nossas escolhas. A série é, basicamente (e na minha opinião), uma história sobre lidar com o luto e com a morte.
Tirando uns problemas de ritmo, não tenho considerações negativas a fazer. Portanto, bora pra parte com spoilers, pequeno gafanhoto.
ENTENDENDO MELHOR OS PARANAUÊ DA SÉRIE
Assisti a todos os episódios de A maldição da residência Hill em menos de 12 horas, com pausas regulares para comer açaí e ir ao banheiro. Quem já leu outros textos aqui, sabe que não tenho educação pra ver série. Alucinada, no dia seguinte troquei ideia com minha consagrada amiga Áurea e, então, pude ter um panorama sobre a história inteira.
Pra começar, a residência Hill não é necessariamente má. Alguns espíritos são, realmente, maus, como a Poppy Hill, mas outros só querem transitar por ali em paz e, com isso, acabam assustando as pessoas. Se lembram da cena da imagem que abre esse texto? Pois é, basicamente "foca em outra coisa, que o fantasma segue a vida (rs) dele".
No entanto, Liv, a mãe-Crain, sensitiva, se deixou levar pela influência do maus espíritos, principalmente da Poppy – que já era insana enquanto viva e matou não só a filha não nascida do casal Dudley, como indiretamente matou Abigail (inclusive, pra mim, o fato de ela ser real é a maior surpresa da série) e queria os filhos dos Crain. Poppy a manipulava por meio de pesadelos, em que Liv via Nell e Luke mortos, a ponto de acreditar que o que estavam vivendo eram um sonho e, para acordar, era preciso "morrer". Para ela, fazer os filhos ficarem eternamente na casa seria uma forma de poupá-los de seu destino no "mundo real". Nisso, Hugh responde, no fim da série, que dessa forma eles não sentiriam nenhum mal ou dor, mas em compensação também não sentiriam nenhuma felicidade. Apenas o nada, indo ao encontro do que a Theo sentiu ao tocar o corpo da Nell no necrotério. Por isso, Hugh decide tirar a própria vida para ficar ao lado da esposa e da caçula e, ao mesmo tempo, libertar os outros filhos da casa. Como uma troca.
Fantasmas não têm noção de tempo, como bem "aprendi" no maravilhoso filme A ghost story. Vivem por gerações no mesmo lugar, sem entenderem quantos anos realmente se passaram. Por isso, transitam livremente entre passado, presente e futuro, o que explicaria a Nell criança ver a Nell adulta e morta (a "moça do pescoço torto") em diferentes momentos, como um déjà vu premonitório, assim como os rabiscos na parede de "(Well)Come home Nell", escritos muito antes.
O QUARTO VERMELHO
"Um fantasma pode ser várias coisas: um sonho, um segredo, luto, raiva, culpa. Na maioria das vezes, é algo que queremos ver."O Quarto Vermelho era um dos maiores mistérios da história, e entendo, em parte, algumas pessoas terem ficado decepcionadas. Acho que eu mesma estava esperando uma versão do quarto secreto do Christian Grey com sangue e corpos, mas à medida que fui entendendo a conexão do quarto com tudo o que a série vinha mostrando, fez muito mais sentido ser um "quarto mágico".
O que eu entendi: o Quarto Vermelho é uma referência direta à essa citação que coloquei aí em cima, sobre o que seria um fantasma. Principalmente, no sentido figurado. Tanto é que, quando os cinco irmãos estão reunidos lá, cada um tem um confronta seus próprios fantasmas no bom e no mau sentido. Steven tem o desejo – aquilo que ele, em seu subconsciente, persegue – de reatar com a ex-esposa e construir uma família, mas leva vários tapas na cara sobre os erro que cometeu. O mesmo acontece com os outros: Shirley entendendo que, apesar de todo o controle que tenta exercer sobre si e sobre as pessoas, precisa enfrentar a traição que cometeu no passado; Luke dividido entre o amor que sente pela coleguinha da rehab e a vontade de largar o vício; Theo querendo dar o braço a torcer e finalmente se doar num relacionamento (e, como toda boa sapatão, se casar com a mulher que encontrou na boate na noite anterior).
O momento em que eles decidem encarar a vida de frente é quando Nell decide "acordá-los". Aqui, entra uma outra teoria de que cada irmão representa uma fase do luto, na ordem de seus nascimentos. Steven seria a negação (ele nega que o que aconteceu na casa seja real/sobrenatural), Shirley seria a raiva, Theo a barganha, Luke a depressão e, Nell, a aceitação. Justamente por ser a ultima fase do luto, que o papel dela nesse momento do Quarto Vermelho seria tão importante.
Toda a cena foi uma das que mais me emocionou na finale (fora o casal Dudley retornando à casa depois de anos para morrer lá e viver eternamente com as filhas). Inclusive me lembrou bastante a segunda parte de IT – A Coisa (o livro, o livro), em que os amigos adultos retornam à Derry pra enfrentar Pennywise e precisam encarar seus maiores medos pra derrotá-lo.
EASTER EGGS FANTASMAGÓRICOS
A bonita aqui não encontrou nenhum porque: 1) Fotografia escura 2) Ou eu lia a legenda, ou olhava pros cantos da cena 3) Não queria encontrar mesmo não, fralda já tava cheia. Mas trouxe alguns exemplos de prints que uma alma (rss) caridosa do Dias de Cinefilia publicou:
ROSTINHOS CONHECIDOS
Carla Gugino, a
Kate Siegel, a Theo, em Hush – A morte ouve.
HELLA YES, Henry Thomas, o Hugh, é o menino Elliot de E.T – O extraterrestre, o clássico da nossa infância (pelo menos da minha).
Lulu Wilson, a Shirley criança (que, morena e de lentes escuras, está assombrosamente (rs) parecida com sua versão adulta), já fez Ouija: a origem do mal, Annabelle 2: a criação do mal (nossa, que nomes criativos) e foi a Marian no maravilhoso Objetos cortantes. Princesinha do terror e do suspense.
Por fim, Elizabeth Reaser, a Shirley adulta, foi a mamãe Cullen na franquia-bomba Crepúsculo, que sempre assisto quando está passando na TV, que minha terapeuta explique.
No mais, é isso. A maldição da residência Hill segue bem recomendada, e eu me despeço aqui dizendo que todo mundo vai morrer um dia. Mas, até lá, continuamos sendo seres que vivemos muito melhor perto de quem a gente ama. Sei lá, anotem isso.
"O medo é o abandono da lógica (...) Mas, ao que parece, o amor também. O amor é o abandono da lógica. O abandono voluntário dos padrões racionais. Nós cedemos a ele ou o combatemos. Mas não vivemos sem ele. Eu amei vocês. E vocês me amaram. Profundamente. O resto é...confete".