Eu estou atrasada com pelo menos três publicações sobre os últimos games que joguei (Until Dawn, To the moon e Detroit: become human), mas quem me conhece sabe que qualquer coisa de Life is Strange tem prioridade neste recinto.
Bom, cremosos e cremosas, é isso aí! A continuação do universo criado pela francesa DONTNOD e publicado pela Square Enix finalmente foi lançada, com o seu primeiro episódio, no dia 26 de setembro, para PC (Steam), PS4 e Xbox One. Depois de muito especulado após o lançamento de Captain Spirit em maio – demo GRATUITA que liga Life is Strange 1 ao 2 –, muita gente descobriu que os novos protagonistas do game são dois irmãos, e não o menino Chris. (Quer dizer, gente que não viu trailers ou não acompanhou as novidades, risos.) É difícil se despedir de Max e Chloe. Mas, enquanto elas continuam vivas nos trabalhos de fãs, na HQ que sairá em breve e, talvez, na série live action da qual ninguém mais ouviu falar desde 2016, é hora de dar as boas-vindas a Sean e Daniel.
O QUE MUDA OU NÃO EM RELAÇÃO À PRIMEIRA TEMPORADA
A primeira coisa que o jogo te pergunta quando você o roda, é se você jogou Life is Strange 1. Se sim, a pergunta a seguir é qual dos finais você escolheu. Não é necessário ter jogado a primeira temporada para curtir esta daqui: se você a concluiu, Life is Strange 2 seguirá a rota segundo o seu final escolhido, mas, se não, o game seguirá uma das rotas automaticamente. Mesmo se passando 3 anos depois do que aconteceu em Arcadia Bay, a história dos irmãos tem sutis ligações com alguns pontos da história anterior (pelo menos, neste primeiro episódio). Falarei das referências à Life is Strange 1 mais pra frente.
Dito isso, uma das coisas novas que percebemos nos primeiros minutos do game é em relação ao gráfico. É notável como ele está mais caprichado; as feições estão mais expressivas e os movimentos dos personagens, mais naturais (inclusive dos cabelos). A direção de arte continua uma belezura, com um trabalho de luz magnífico e tomadas cinematográficas de encher os olhos. Além disso, a sincronia das falas com a boca melhorou pra caramba.
Os diálogos parecem mais críveis no aspecto "adolescentes conversando", o que é fácil de notar quando, ainda no início do game, Sean e sua BFF Lyla batem um papo sobre festas, sexo, drogas e futuro. Ponto também para a legenda em português, que adaptou algumas expressões para nossas gírias daqui, como "sextou".
Life is Strange 2 continua sendo um jogo de escolhas mas, claro, sem os poderes de voltar no tempo. Além desse peso, suas decisões influenciam não só a sua jornada, como o comportamento do Daniel. Vamos lá: é que, na história, os irmãos são obrigados a fugirem de casa depois que uma tragédia acontece, e a sobreviverem por conta própria. Sendo assim, Sean, como irmão mais velho, precisa proteger o caçula, e todas as suas atitudes (roubar, mendigar, agir com violência ou escárnio, não deixar ele aprender coisas por conta própria, etc.) influenciam a pessoa que ele se tornará. Pode parecer fácil, tipo "preto ou branco", mas nos contextos não é tão simples discernir entre o certo e o errado. Ao final do episódio, na familiar lista de estatísticas de escolhas suas vs. escolhas dos outros jogadores, é possível saber como o garoto foi influenciado pelo seu bom ou mau exemplo.
Quanto à jogabilidade, Life is Strange 2 também é um jogo point and click, mas com algumas novidades. Assim como em Captain Spirit, em alguns momentos há timing para você reagir a um personagem e, dependendo do que você faz ou deixa de fazer, acaba perdendo algumas interações. Você também vai se deparar com cenas de Quick Time Event (bem comuns em jogos da Quantic Dream) e mecânicas novas. Uma delas é a de desenhar: enquanto na primeira temporada, como Max, você tira fotos, aqui o hobby do Sean é desenhar, e você faz isso observando os cenários e criando do rascunho à arte final em seu sketchbook. Outra mecânica é poder "olhar ao redor" pra encontrar o Daniel quando ele se afasta de você, e de incluir ele em comentários e discussões quando vai interagir com alguns objetos.
Outra coisa interessante em relação à narrativa é que, enquanto em Life is Strange 1 a história era sequencial (cada episódio correspondia a 1 dia na vida de Max e cia), aqui há avanços grandes no tempo.
Incentivando a pirataria rss |
Por último, o tema. Enquanto na primeira temporada, a história era sobre uma menina tendo uma última chance de se reconectar com a pessoa mais importante da vida dela ao manipular o tempo, em Life is Strange 2 é sobre dois irmãos sobrevivendo em meio a um mundo inóspito e preconceituoso, mas bonito, experimentando os dois sabores desse paradoxo. O que as duas têm em comum é o que torna a franquia Life is Strange tão tocante: dramas humanos, relações entre pessoas e nossa capacidade de nos colocar no lugar delas ao fazer escolhas.
LIFE IS STRANGE 2: UM JOGO POLITIZADO
Cuidado, spoilers!
Primeiro, vamos trocar uma breve ideia sobre política. Não, não estou falando de algo raso como debate de Whatsapp sobre direita e esquerda. Se consideramos que é através da política que a gente consegue se organizar socialmente, política está em tudo. É impossível ser neutro a ela; no máximo, ter uma falsa noção de neutralidade. Falando de minorias sociais aí, o simples fato de uma travesti ir ao mercado da esquina comprar farinha já é um ato político. Um casal homossexual andar nas ruas de mãos dadas é um ato político. Uma família latina ganhar a vida num país acalorado pelo discurso de um presidenciável racista e xenófobo, também.
E é aí que quero chegar.
A história de Life is Strange 2 se passa no período da corrida eleitoral americana de 2016, em que Trump ganhava (ainda mais) a atenção do mundo com ideias absurdas sobre construção de muros para isolar imigrantes e seus constantes flertes com uma perigosa supremacia americana.
Há quem se afaste do jogo ao descobrir isso, mas, como eu disse, você foge de política, mas ela não pode fugir de você. Sean e Daniel são descendentes de mexicanos, e toda a jornada deles pelos cinco episódios do game vai ser cerceada pela xenofobia, que já mostra as asinhas no começo deste primeiro episódio e tem tudo a ver com a tal tragédia que os leva a partir para a estrada. Você vai ver o despreparo e a violência policial intimamente ligada ao preconceito contra imigrantes, a agressividade de "cidadãos de bem" brancos e racistas, e até o medo que Lyla demonstra nos SMS, sobre o cenário político americano, também na conversa citada lá atrás entre ela e Sean, sobre o perigo que latinos e asiáticos podem correr. Sim, Lyla é asiática, demonstrando quão focada na diversidade a DONTNOD está (no primeiro jogo, essa questão ficou mais por conta da dinâmica LGBT entre Max e Chloe). Isso, inclusive, foi estendido para a escalação de elenco: Sean é dublado por um argentino (Gonzalo Martin) e, a Lyla, por uma coreana (Mei Pak). (Curiosidade vapt-vupt: a Mei e a Hannah Telle, dubladora da Max, participaram de um comercial mega fofo e engraçado do Google. Assista aqui.)
VIDA LONGA À LIFE IS STRANGE, VÉI
ALGUMAS REFERÊNCIAS À LIFE IS STRANGE 1
Cuidado com os spoilers!
Como você leu no começo deste texto, esta nova temporada segue a rota do final que você escolheu para Life is Strange 1. E, se você também leu meu primeiro texto sobre o jogo, sabe que eu havia escolhido sacrificar a Chloe, coisa que jamais terei coragem de fazer novamente. Como eu acompanho tudo o que sai da franquia, eu já sabia que teria que escolher um dos finais pra seguir em frente aqui, e, na esperança que terei até o final do quinto episódio de encontrar qualquer ligação à Max e Chloe juntas vivendo suas vidinhas em algum lugar dos Estados Unidos, escolhi o final de sacrificar a cidade.
Em determinado momento deste primeiro episódio de Life is Strange 2, Sean, Daniel e o novo amigo Brody resolvem tirar água do joelho em frente a um mirante de Arcadia Bay. Quando o carro para e aparecem aqueles pinheiros familiares, eu já sabia onde eles estavam. Chega a manteiga derreteu. No meu caso, derreteu de tristeza, porque lá está a cidade completamente destruída e abandonada, contrariando todos os programas de reconstrução americanos.
Como se não bastasse, tem também um memorial sobre as vítimas da tempestade:
"Por todas as almas perdidas na tempestade de Arcadia Bay. o TEMPO não se esquecerá de vocês" |
Se você escolheu sacrificar a Chloe, a cidade também aparece, mas obviamente habitada, plena e linda. De qualquer forma, o momento de Sean e Brody ali revela rimas narrativas nos diálogos que têm a ver com a situação da cidade e deles próprios. No meu caso, Brody aponta para Arcadia Bay devastada e diz "Isso aqui é passado, o seu futuro está ali no carro", se referindo ao Daniel e à integridade dos dois. "Não tem como voltar no tempo", também fazendo uma relação à história de Life is Strange 1: ela se encerrou, da maneira que o jogador quis, e é hora de seguir em frente (que é a moral do jogo), abraçando esta nova história.
Na cena seguinte, pra aliviar a angústia de nossos corações, a trupe estaciona em um motel com um nome curioso:
Three Seals? Two whales? PEGOU-PEGOU?
Por fim, QUAL O PROBLEMA DE LIFE IS STRANGE EM MATAR PAIS LEGAIS? (Isso não é nem uma referência, é uma pergunta desesperada mesmo.)
COLECIONÁVEIS E TROFÉUS
Vamos combinar, platinar Life is Strange 1 é mamão com açúcar: basta colecionar todos os troféus, atrelados às fotos (os colecionáveis) que a Max tira, ou seja, basta tirar todas as fotos de todos os episódios. Nesta temporada nova, as coisas estão um pouco mais difíceis.
Primeiramente, ao invés de fotos, como colecionáveis você tem patches, chaveiros e "lembrancinhas" que o Sean coleta em diversos lugares ao longo de sua road trip. Os troféus, além de estarem atrelados a esses colecionáveis, também estão aos desenhos que você faz pelos episódios e à finalização deles. Então, para platinar o jogo, é necessário desenhar tudo o que tiver pra desenhar, pegar todas as lembrancinhas de estrada e, claro, concluir o game inteiro.
MEU VEREDICTO E EXPECTATIVAS
Eu adorei, sinceramente. Cheguei até a concluir, no calor do momento, que foi um primeiro episódio melhor que o primeiro de Life is Strange 1, mas acho que fica pau a pau: meio lento no desenvolvimento, com momentos de ação marcantes. A cena final foi bem tocante e cortadora de cebolas. Não me apeguei ao Sean como rapidamente me apeguei à Max, mas foi impressionante como curti o pai dele e a Lyla, que aparecem por pouco tempo, assim como o Brody, e estou completamente apaixonada pelo Daniel.
PROTEJAM ESSA CRIANÇA PELO AMOR DE DEEEEUUUUUUUS
Não vou nem mencionar a Cogumela (sem revelar muito sobre, pra não dar spoiler), que virou minha missão máxima nesse episódio e, quando vi que ela estava entre nós, corri em círculos gritando pela sala.
Sobre o que espero daqui pra frente, não tenho muito o que dizer. Espero uma escolha moral bem difícil em relação à promessa que o Sean faz pro Daniel no final, a aparição do Chris, CHLOE E MAX (rs), finais múltiplos e agridoces, os irmãos trabalhando em conjunto pra controlar a telecinésia e, claro, desdobramentos políticos sobre a xenofobia que já foi introduzida.
Se quiser saber mais, eu e dois amigos gravamos um programa sobre este episódio no nosso podcast de Life is Strange, a Rádio Shaka Brah, que deve ir ao ar na próxima semana. Ouça aqui. ;)
Assim que o próximo episódio do jogo lançar, provavelmente até dezembro, a gente se encontra de novo.
Nota: