É com o coração em frangalhos, semirecuperada de três metros de ranho escorrendo pelo nariz, que venho falar de Me chame pelo seu nome – o livro que está marcando minha volta definitiva à leitura, parcialmente abandonada de um ano pra cá.
ABAIXA QUE É TIRO
Escrita pelo ítalo-americano-egípcio (eita!) André Aciman, a trama é narrada pelo protagonista Elio, um adolescente de dezessete anos que está passando as férias na casa da família, em um paraíso da costa italiana (chamada apenas de "B."), parada certa de amigos, vizinhos, artistas e intelectuais de todos os lugares. Filho de um importante professor universitário, o jovem está bastante acostumado à rotina de, a cada verão, hospedar por seis semanas na villa da família um novo escritor que, em troca da boa acolhida, ajuda seu pai com correspondências e papeladas. Uma cobiçada residência literária que já atraiu muitos nomes, mas nenhum deles como Oliver.
Elio imediatamente, e sem perceber, se encanta pelo americano de vinte e quatro anos, espontâneo e atraente, que aproveita a temporada para trabalhar em seu manuscrito sobre Heráclito e, sobretudo, desfrutar do verão mediterrâneo. Da antipatia impaciente que parece atravessar o convívio inicial dos dois surge uma paixão que só aumenta à medida que o instável e desconhecido terreno que os separa vai sendo vencido.
O livro foi lançado em 2007, mas demorou isso tudo pra chegar ao Brasil porque só agora foi de interesse dos filhos da puta dos marketeiros, aproveitando o sucesso da adaptação cinematográfica que foi uma das candidatas ao Oscar 2018 e um dos melhores filmes que assisti no ano passado. Bom, a justiça tarda, mas não falha. A divina, no caso. Acho. Porque o que importa é que, mesmo já tendo assistido ao filme, a leitura de Me chame pelo seu nome foi uma das mais prazerosas e marcantes dos últimos tempos.
Eu diria que, desde as primeiras páginas, minha vontade era de largar tudo, antecipar minha cidadania italiana e viajar pra Europa a fim de fazer jus ao tamanho do meu nariz junto aos meus semelhantes. Não sei exatamente qual foi a mágica de Aciman (inclusive, estou estudando isso), mas ele transformou uma história repleta de dias de marasmo em uma linda confissão de desejo e um turbilhão de sentimentos conflitantes que determinaram o ritual de passagem de Elio. Aciman demonstra ser um profundo conhecedor das ações e reações humanas, do que idealizamos, experimentamos e sofremos com o primeiro amor. Me chame pelo seu nome é pura poesia que me deixou absolutamente fascinada e envolvida. É literatura de alta qualidade, amarrada com parágrafos de palavras escolhidas a dedo. Nada sobra, nada falta: tudo feito na medida para arrancar suspiros frequentes.
Em passagens fluidas, Elio nos conta suas lembranças daquele verão dos anos 1980 que o marcaria para sempre em uma linguagem coerente com o perfil de um adolescente acima da média, que lê filosofia e estuda música erudita, mas cheias de visceralidade, delicadeza e erotismo. Me chame pelo seu nome é sobre Elio; sobre autodescobertas, tanto sexuais quanto de identidade no mundo. É impressionante como me peguei ansiosa, como o personagem, para descobrir se o que ele tanto queria iria se concretizar, ao mesmo tempo em que o medo era óbvio e angustiante. "É melhor morrer ou falar?" E o que Elio queria, e que se reflete totalmente no título da obra, era mais do que observar e amar cada pedacinho de Oliver: era ser o Oliver, estar nele, sob suas roupas, em sua pele, e que Oliver também experimentasse o mesmo. Intenso, como geralmente é esse momento da vida.
O filme é muito fiel ao livro, salvo pequeninas mudanças, inclusive no final. A cena do pêssego está presente, e longe de ser escandalosa. Como no filme só podemos interpretar a linguagem corporal de menino Timothée Chalamet e, no livro, o que ele sente é bastante destrinchado, talvez neste fiquem mais "compreensíveis" suas intenções. E para a Galera Chata do Caralho™ de plantão, Me chame pelo seu nome não bate na tecla da homofobia, do ser gay ou não ser, ou da aceitação. Não que a obra original precise confirmar a ausência dessas questões no filme, porque eu sou da opinião de que filme não é obrigado a abordar tema nenhum (como esses, por exemplo, do universo LGBT). E, sinceramente, nem é preciso que o livro diga com todas as palavras; só o fato de Elio e Oliver demorarem tanto para enfim colocarem as cartas na mesa já implica nesse contexto.
Inclusive, pincelando isso com chave de ouro, aquele monólogo MARAVILHOSO do pai do Elio que há no filme está aqui, quase integralmente idêntico. Não vou transcrever porque seria spoiler, mas é algo sobre não evitar sentir dor, porque evitar o que quer que seja é um desperdício. O tipo de trecho de um livro que você tem vontade de grifar, recortar, colar na parede, criar gif e enviar para todos os contatos do Whatsapp, depois de um abraço.
Terminei Meu chame pelo seu nome da melhor maneira possível: com a voz de Sufjan Stevens entoando Mystery of love na minha cabeça. Sem fôlego. Certa de que precisaria recomendá-lo ao maior número de pessoas imaginável.
"Encontramos as estrelas, você e eu. E isso só acontece uma vez na vida"
Ficha técnica
Editora: Intrínseca
Tradutora: Alessandra Esteche
Páginas: 288
Compre: Amazon