Eu não quero saber de Game of Thrones.
Não quero saber de Stranger Things
Se bobear, não quero nem saber de Westworld.
Só quero ver The handmaid's tale passando o rodo no Emmy, no Oscar e até no Melhores do Ano do Faustão.
Pode ser cedo pra colocar meus dedinhos no fogo, sendo que só assisti aos cinco episódios disponíveis até o momento, mas The handmaid's tale conseguiu me arrebatar com pouca coisa e já é considerada uma das grandes estreias de 2017.
Produzida numa parceria entre a MGM e o Hulu (serviço de streaming tipo Netflix), a série foi lançada no dia 26 de abril e, com uma semana (os episódios por lá são liberados semanalmente, como acontece em emissoras de TV), já foi renovada para a segunda temporada – sendo a a melhor estreia do Hulu entre produções originais e adquiridas. As críticas, por sua vez, receberam The handmaid's tale com ótima aceitação: lá no Rotten Tomatoes, que eu tanto menciono em meus posts ~cinéfilos, está com 100% de aprovação aka. 71 críticas positivas e 0 negativas.
Na primeira cena do primeiro episódio, vemos uma família – homem, mulher e uma criança – que parece fugir de algumas pessoas em uma floresta. Na cena seguinte, a mesma mulher está em um quarto de mobília antiga, vestida como uma espécie de criada européia do século XVIII, conversando com sua senhora. Em flashbacks, uma versão feliz da personagem tem um outro trabalho, faz cooper com a melhor amiga, bebe vinho em restaurantes, flerta, ri e comenta casualmente sobre Tinder e Uber. Alguns desavisados que não leram a sinopse podem duvidar inicialmente sobre em que época exatamente se passa a história de The handmaid's tale, mas logo fica claro que aquele contexto bizarro de relação retrógrada entre patroa e empregada é o presente – um presente assustador do novo milênio.
Segunda adaptação do romance homônimo de Margaret Atwood (no Brasil, se chama O conto da Aia), The handmaid's tale se concentra em uma sociedade distópica americana: assim que uma facção católica toma o poder do que antes eram os Estados Unidos, as minorias – principalmente as mulheres – perdem seus direitos e identidades, sendo tratadas como propriedades do estado. Livros e arte são queimados, a alfabetização é proibida e criminosos perante as rígidas leis são mortos e, seus corpos, expostos à luz do dia. Servindo à família de um comandante do alto escalão desse regime totalitário e teocrático, Offred – cujo nome significa literalmente "de Fred", seu senhor – é a protagonista de The handmaid's tale, pertencente às Aias, uma casta valorizada pela sociedade por reunir todas as mulheres ainda férteis, algo bastante raro naquela realidade. E, justamente por isso, Offred mensalmente é oferecida para ser estuprada pelo senhor de sua casa, a fim de que gere filhos para sua esposa estéril.
Pois é. Pesado. Como se não bastasse essa premissa completamente intrigante, os aspectos técnicos da série são um show à parte. O QUE É A FOTOGRAFIA DESSA BAGAÇA? Belíssima, acinzentada, com uma paleta de cores fascinante. Junto da direção, em constantes close-ups de Offred, ela se preocupa em captar as mínimas rugas de expressão, lágrimas e olhares que transmitem uma imensidão de sentimentos conflitantes. Um trabalho primoroso que só resulta no que é graças, também, à interpretação magnífica de Elisabeth Moss. Perdida, solitária e amedrontada, a Offread de Moss vive retraída atrás de seu chapéu-viseira – perfeito para a era das mulheres que nada podem ver, pensar ou fazer longe do que manda a República – e só consegue se expressar e se esconder, ao mesmo tempo, dentro de seus olhos.
Outra que traz uma ótima performance é Alexis Bledel, a eterna Rory de Gilmore Girls, que prova aqui ser muito mais que um rostinho-lindo-de-boneca-de-porcelana-e-olhos-azuis-maravilhosos-meu-deus-eu-queria-ser-ela. No papel de Ofglen, também membra das Aias, e mesmo em menor tempo em tela se comparada à Elisabeth Moss, Bledel é dona de cenas marcantes, principalmente algumas do episódio 3 que me deixaram quase sem ar. (Não estou brincando quando digo que precisei fazer uma pausa antes de prosseguir para o episódio seguinte.) Samira Wiley, a sensacional Poussey de Orange is the new black, Yvonne Strahovski e Joseph Fiennes também integram o elenco.
Em metade de sua primeira temporada, The handmaid's tale se revelou uma obra incrível, relevante e assustadora, principalmente quando traçamos um paralelo com a nossa realidade e com a onda ultraconservadora que parece abraçar o mundo, em especial nesta era de Trump. Não sei se é sensato dizer que é um alerta; afinal, acho difícil que o futuro da série venha a ser o nosso um dia, mas ele parece possível. O patriarcado está aí, o fundamentalismo está aí, o backlash está aí – e ganhando forças. Mas, lamentavelmente além disso, existem sociedades HOJE em que mulheres ainda vivem atrocidades extremamente parecidas com as vividas na série.
E o medo, a princípio apenas uma surpresa diante do absurdo, é de que pessoas comecem cada vez mais a olhar pra isso como se fosse algo normal.
(Ah. O Hulu não existe no Brasil, mas titia sabe que você é esperto e sabe fazer a busca certa no Google.)