[alerta de SPOILERS!]
The OA, a nova série original da Netflix, estreou em dezembro sem muito alarde, poucos dias depois da plataforma liberar um trailer de menos de dois minutos que não entrega quase nada, mas está recheado de mistérios. Criada pela dupla Brit Marling (que também interpreta a protagonista) e Zal Batmanglij (também diretor), responsáveis por filmes como A outra Terra, A seita misteriosa e O Sistema, e produzida por Brad Pitt, The OA fala pouco de si na sinopse, e com toda razão. Tudo que sabemos é que uma mulher chamada Prairie, após ser dada como desaparecida por sete anos, é encontrada depois de uma aparente tentativa de suicídio e retorna para os braços de sua família. O detalhe é que, ao sumir, Prairie era cega, e agora está enxergando. Ela tem dificuldades de se abrir com as pessoas sobre o que aconteceu nesses anos de ausência, possui cicatrizes bizarras nas costas e se transforma na nova "celebridade" da cidadezinha onde mora, que está alucinada pela sua história de vida.
Com um formato diferente, The OA apresenta 8 episódios com durações que variam entre meia hora e mais de uma hora, com passagens de um para outro mais fluidas do que em séries com que estamos acostumados, dando a sensação de um filme bem longo dividido em capítulos. O primeiro episódio me comprou totalmente. Eu estava completamente eufórica, pulando na cama, pronta pra comprar as alianças e jurar amor eterno à série. Mas, a partir do terceiro episódio, várias coisas começaram a me incomodar de forma irreversível.
No primeiro episódio / A partir do terceiro
Como no começo a série não mostra exatamente pra onde está te levando, é natural que imaginemos várias linhas a partir de pistas que as cenas dão. Mas, pra mim, agora que já concluí todos os episódios, várias dessas pistas soaram como meros artifícios pra prender o espectador. E é possível que o que você pensou ou vai pensar, se ainda não assistiu e vai parar o texto por aqui, esteja a anos-luz de distância dos temas que The OA aborda. Não é ficção científica. São universos alternativos, viagens dimensionais, projeção astral, espiritualidade, gnose.
"Uma nova Stranger Things", como muitos estão comparando? Não mesmo. A menos que a comparação seja que as duas séries têm, ham, "coisas estranhas" acontecendo. Mas, em The OA, não de um jeito tão legal.
Aí alguém pode dizer MAS MANUELA, então você não entendeu a série, você não curte esses temas, é por isso que você não conseguiu se conectar.
Não tem a ver com crenças, até porque sou bastante aberta a elas. Não é questão de acreditar ou não no que a série está contando, o problema é COMO ela está contando; ou seja, meu incômodo é do ponto de vista cinematográfico, em relação à produção audiovisual que é The OA.
A série é viciante, mas...
Primeiramente, me deixe recapitular resumidamente o desenrolar dessa primeira temporada: Prairie, na verdade, nasceu em berço de ouro na Rússia e sofreu uma EQM – Experiência de Quase Morte – depois que seu ônibus escolar sofre um acidente. Voltando à vida dessa vez cega, a menina perde o pai e passa a morar em um orfanato altamente duvidoso até ser adotada pelo casal Nancy e Abel. Já adulta, Prairie então desaparece após ter uma premonição que indicava um reencontro com seu pai: na busca por ele, ela acaba é topando com um médico cientista chamado Hap, que conta que realiza experimentos com pessoas que passaram por EQM. O cara estava dizendo a verdade, com exceção de um detalhe: seus cobaias são todos prisioneiros em seu porão. E é lá que Prairie vai passar seus próximos sete anos de vida, junto de Homer, Scott e Rachel, servindo de testes para que Hap descubra algum segredo sobre a vida após a morte. No entanto, com o passar do tempo o grupo passa a acreditar que tem habilidades especiais de abrir outras dimensões através de sequências de movimentos corporais que eles conseguem em suas EQM forçadas por Hap. Na verdade, Prairie acredita que eles são anjos. E essa história maluca é contada por ela mesma no tempo presente para um outro grupo de pessoas com quem ela passa a se relacionar, e que será de extrema importância para fazer uma conexão com os outros prisioneiros de Hap, aparentemente salvando-os dele.
Puta que pariu. Tentei RESUMIR, deu 13 linhas tropeçantes e ainda faltou coisa. Procê ver.
AAAHH, MANUELA, parece mó legal a história. E você disse que é viciante! Se é viciante, é boa.
Clarkinão, pequeno Padawan. Já temos idade pra entender que nem tudo o que vicia é bom, certo? Minha curiosidade incontrolável de saber as revelações que The OA reservava pra mim foi o que me impulsionou a ir até o fim, e isso independe da qualidade. Não que a série seja uma bosta completa. Ela tem seus méritos; é uma temática densa, difícil de ser contada de forma simples, e ainda consegue prender o público. Sei que ainda temos uma segunda temporada pela frente, mas a impressão que tive é a de uma boa ideia sendo mal executada.
The OA tem um roteiro irregular que prejudica seu ritmo em vários momentos, principalmente nas passagens entre o cativeiro e o tempo presente, deixando a narrativa picada. Além de sequências amarradas de maneira porca, isso comprometeu, pra mim, o desenvolvimento de alguns personagens, fazendo com que eu simplesmente não me conectasse com eles. Sem contar alguns momentos de descaracterização, como, por exemplo, quando no último episódio Prairie trata com desdém os pais adotivos e comenta com outro personagem que "eles nem são meus pais" e "eles me drogaram a vida inteira" (o médico a diagnosticou desde cedo com problemas mentais, ou seja). Em que mundo Prairie agiria assim, ainda mais se considerando um anjo, portadora de uma bondade e compaixão que ela mesma reconhece em outra cena não muito distante?
O roteiro também parece tomar decisões arbitrárias e convenientes para contar a história que precisa contar, ignorando respostas para questionamentos pertinentes, como o fato de Hap manter COBAIAS PRISIONEIRAS em sua casa por anos. O cara está fazendo experimentos que, segundo ele, vão revolucionar o mundo, mas não consigo imaginá-lo apresentando essa experiência e o mundo achando muito maneira a forma antiética com que ele conduziu seu trabalho.
Convenientes também são os diálogos: cansei de contar quantos parecem ter sido escolhidos porque são bonitos de se dizer e profundos de se ouvir, mas que soam falsos. Não me emociono, torço o nariz. Outra coisa que aumentou minha distância foi o modo como The OA parece subestimar a capacidade do espectador em entender o que está acontecendo, por mais que soe contraditório pela complexidade da história que estão apresentando. Em determinada cena, Prairie conta aos prisioneiros que em sua mais recente EQM pôde ouvir um som muito semelhante à palavra AWAY, que ela repete várias vezes e cuja sonoridade é claramente um paralelo à OA, mas o episódio faz questão de terminar com um sussurro de "OA", como se dissesse OPA! Caso você ainda não tenha entendido a relação, taí. Em outro momento, Pairie e Homer, apaixonados, finalmente se veem pela primeira vez sem as celas os separando e encenam um momento de emoção ao poderem enfim se tocar. Como se a expressão sofrida e piegas a la Edward Cullen do (fraco) Emory Cohen não fosse o suficiente pra transmitir isso, Prairie PRECISA dizer em seguida. Para a plateia do presente. Que, sim, também somos nós, o público.
Falando em piegas, os tais movimentos que os personagens constroem são um show de vergonha alheia à parte, que, no entanto, também emocionaram boa parte do público, principalmente no final. O que dizer? Eu realmente não sei o que faz com que uma coisa toque alguém ou cause aversão.
Só sei que, em The OA, eu não me senti recompensada.
O que a série mais faz, a propósito, é perguntar sem responder, o que não é uma coisa boa, necessariamente. Desde Lost não tenho paciência com isso. Posso pagar língua depois, mas tenho a sensação de que os links do que ainda irão acontecer com as ~pistas~ deixadas nesta temporada ficarão distantes. Nessas horas, é impossível não querer comparar com Westworld, uma série lançada 2 meses antes de The OA com uma narrativa construída de forma primorosa, que desde o primeiro episódio planta dúvidas, mistérios e desenvolve de forma lenta seus personagens, mas que consegue até a conclusão da temporada amarrar a maioria das pontas de forma satisfatória. E com um gancho do caralho.
Mas, como sugeri lá em cima, The OA merece aplausos por ser bem filmada, pela fotografia, pela trilha e pela personagem BBA, a professora da escola, que é a coisinha mais maravilhosa e abraçável do mundo (curiosidade: é a dubladora da Tristeza, de Divertidamente). E, claro, aplausos pela ambição narrativa, conduzida de forma a nos fazer querer saber o que vai acontecer.
Vejamos onde Brit Marling quer chegar a partir da segunda temporada (que, né, é o mínimo que podiam fazer).
Resumo da ópera: é cafona. Tem problemas. Mas quero mais.