Será a maldade uma semente que brota dentro de nós?
The bad seed ("A semente do mal") foi uma obra que levantou polêmica na época de seu lançamento, no ano de 1954. Escrito por William March, um pobre sujeito que não pôde aproveitar o sucesso sequente devido a um ataque cardíaco, o livro foi republicado no Brasil recentemente como "Menina má" pela Darskide Books – que descobri ser uma editora SÓ de livros de terror e suspense. Ou seja, o paraíso pra mim. <3
"Menina má" me ganhou pela capa dura maravilhosa (aliás, os livros da Darkside costumam ter capas bem maneiras), pelo marcador de páginas à moda antiga e pela sinopse, claro. O livro, que inspirou outras obras como Anjo Malvado, provocou o maior bafafá porque tratou de um tema que até então não era explorado: a maldade inata vs. a inocência das crianças.
Rhoda é, à primeira vista, uma garotinha de 8 anos linda, doce, obediente, organizada, madura para a idade e extremamente educada. Um anjinho de Deus, como dizem por aí. Ou o capiroto, como as páginas seguintes vão mostrar.
Por trás do rostinho de uma boneca, como a arte do livro sugere, existe uma verdade muito mais crua e assustadora, que ninguém desconfia. Até então.
Para analisar "Menina má", é preciso levar em consideração duas coisas: a narrativa, claro, e o contexto social da década de 1950. Havia se passado pouco tempo desde a Segunda Guerra Mundial, e o mundo tentava se recuperar de suas cicatrizes. Os primeiros casos de serial killers começaram a bombar na mídia, e a percepção da maldade humana criaram um novo tipo de monstro: ele não habitava um desconhecido na rua, escondido sob sombras, mas estava naquele vizinho de porta, no dono da mercearia e até em algum membro da família. Ou seja, alguém próximo de nós.
Eis o nascimento de um novo marco na literatura de horror: o personagem assustador das histórias passa a ser o próprio ser humano.
Inicialmente, "Menina má" me deixou bem presa à história. Morando sozinha com sua mãe Christine, já que o pai estava há meses em viagem de trabalho, Rhoda acaba se envolvendo em um estranho acidente na escola, culminando na morte de um colega de classe de quem ela tinha inveja. É quando o leitor, junto com Christine, começa a desconfiar da índole de Rhoda, trazendo questionamentos sobre o que ela seria capaz de fazer pra conseguir o que quer.
A garota é uma completa psicopata, incapaz de sentir empatia pelos outros, tampouco por sua mãe. Foi aí que comecei a me incomodar. Achei o livro bastante expositivo, deixando claro que Rhoda simulava comportamentos e valores que ela sabia que eram aplaudidos pela sociedade. Creio que seria muito mais interessante plantar uma pulga atrás da nossa orelha; nos fazer indagar se a menina estava verdadeiramente sentindo coisa x ou coisa y ou estava apenas interpretando; se ela é uma monstrinha ou não. MÃS, claro, eu não posso analisar algo que eu queria que tivesse acontecido. O objetivo do livro é outro: deixar explícito desde o começo que Rhoda é má, mas questionar se essa maldade veio do berço ou do meio que nos molda.
Eu particularmente não fico muito empolgada quando tentam justificar de onde vem a semente do mal de um personagem. Vide Hannibal e aquele filme horrendo em que contam a história da sua juventude e o estopim pro canibalismo. Aconteceu a mesma coisa em "Menina má": fiquei um pouco desencantada.
Apesar de ser uma leitura fácil, considerando a época em que a obra foi escrita, achei a narrativa um tanto quanto rasa, e o final deixou a desejar. Não me refiro à decisão que Christine toma, uma vez que ela já tinha certeza de que a filha era uma assassina em potencial (inclusive achei a solução mais coerente que o autor encontrou). Mas fica clara a intenção dele na última página de criar uma mega ironia/humor negro, que não funcionou pra mim. Não há aquela sensação de terror que deveria ter ficado.
Porém, ficam os meus elogios à construção de uma personagem em particular: Monica, a vizinha e proprietária do prédio onde Christine e Rhoda moram. Uma senhora amável, divorciada e independente que, durante o livro, dá altas alfinetadas feministas, afirmando que mulheres podem ser muito mais do que objetos de decoração dos homens. Lembremos que "Menina má" foi lançado em 1954.
“Sempre houve algo estranho com Rhoda, mas eles ignoraram suas esquisitices, esperando que, com o tempo, ela fosse se tornando mais parecida com as outras crianças. Mas isso não aconteceu.”
Tara maldita
Além de uma peça na Broadway, "Menina má" ganhou uma adaptação cinematográfica apenas dois anos após sua publicação. No Brasil, chegou com o título de "Tara maldita".
[Tara, do dicionário: "defeito físico ou moral, transmitido ou agravado pela hereditariedade". Ou seja, toma aí um pequeno spoiler, senhor culto.]
O filme concorreu a 4 Oscars: Melhor Fotografia, Melhor Atriz (a garotinha e a atriz quem interpretou a mãe) e Melhor Atriz Coadjuvante (uma senhora que apareceu em duas cenas). Bom, vê-se que o conceito de boas atuações na época era outro, porque foram bastante teatrais pro meu gosto. Acredito que por conta, também, do fato de que o filme foi baseado tanto no livro quanto nessa peça da Broadway. Dá pra perceber vários aspectos ao longo do longa (rs) que remetem a uma representação teatral: os cenários, os enquadramentos distantes e amplos, a movimentação dos atores em cena, muita dose de dramaticidade, etc.
Mas, no fim das contas, acho até que gostei mais do filme do que do livro. Ele é extremamente fiel à história, bem adaptado, e ainda traz um final um pouco diferente, e até mais chocante, dependendo do ponto de vista. Achei até engraçado que, nos créditos, há uma mensagem pedindo para os espectadores NÃO CONTAREM PARA OS OUTROS O CLÍMAX DA HISTÓRIA, pra não estragar a experiência de ninguém, hahaha.