Oi, gente bonita e cheirosa. Nossos 3 filmes da semana são esses: um suspense ótimo, um documentário imprescindível e, olha, o terceiro particularmente não é uma indicação.
O convite
Andei lendo umas coisas sobre Karyn Kusama, a diretora desse lançamento da Netflix. Parece que as coisas não são fáceis para diretoras mulheres em Hollywood, e pra Kusama foi menos ainda. Digamos que ela agarrou com todas as forças a oportunidade de dirigir Aeon Flux, um filme de ação meio sci-fi meio psicodélico que não assisti, mas que aparentemente foi detonado pela crítica. Nem Charlize Theron como protagonista salvou. Anos mais tarde voltou à ativa com Garota infernal, outro fiasco, uma obra com algumas promessas por ter sido roteirizada por Diablo Cody, quem tinha acabado de ganhar um Oscar por Juno. Pobre Kusama. Comeu o pão que a indústria cinematográfica machista amassou, afastada de qualquer projeto decente, até que ressurge das cinzas com o maior close certo lançando a produção independente O convite. E posso dizer que esses anos de reclusão foram bons pra você, Karyn Kusama. VAI QUE É TUA, MULHER!
Poucos filmes recentes me deixaram TÃO tensa quanto esse. É suspense com S
A forma como Kusama nos coloca na pele de Will é admirável. Através dos olhos dele, a gente encara a situação sempre com um pé atrás: uma mulher nua e claramente com um parafuso a menos aparece no corredor; uma porta é misteriosa e desnecessariamente trancada; algo inusitado e bizarro acontece em um jogo de Eu nunca; comprimidos estranhos são encontrados em uma gaveta. Somos, quase o tempo inteiro, levados a crer que tem gente tramando uma merda bem fedida e perigosa nesse jantar. E eu digo quase porque, sabiamente, a diretora trabalha cenas que colocam em cheque a sanidade de Will e a nossa própria capacidade de percepção. Eu achei fantástico. "Isso que ele tá achando, é verdade ou não? Há mesmo perigo ou ele está imaginando coisas? Coitado, ele tá todo fodido, tá dando pena, tem nada disso".
Provavelmente este será o maior texto deste post, mas vou finalizar: as atuações são bem executadas, principalmente a do Logan Marshall-Green (o Will); a fotografia é bastante inteligente, trazendo detalhes pra cena que aumentam a atmosfera de tensão e desconfiança em um jogo interessante de luz e sombra; e a trilha sonora é mega inquietante e provocativa, mas sem jamais roubar a atenção toda pra si, como acontece geralmente em filmes enlatados do gênero.
A máscara em que você vive
Sim, ela mesma: a masculinidade.
Não faz muito tempo, indiquei aqui um documentário (também disponível na Netflix) chamado The hunting ground. Nele, acompanhamos histórias de estudantes estupradas e abusadas em campi americanos, a omissão das universidades e da própria sociedade e toda a cultura do estupro num geral, gerando um maravilhoso debate sobre patriarcado e feminismo. Em A máscara em que você vive – um novo documentário dirigido e produzido por mulheres –, o machismo é o cerne das discussões, porém voltado para a realidade masculina.
Recheado de entrevistas com homens, mulheres, psicólogos, antropologistas e outros estudiosos, a obra debate a construção da masculinidade, sua supervalorização, a forma como criamos nossos meninos para a sociedade e como isso os prejudica ao longo da vida, já que é um modelo baseado e violência e dominação (principalmente sobre mulheres, que são zilhões de vezes mais prejudicadas). Se você acha que masculinidade e feminilidade não são algo construído culturalmente, A máscara em que você vive vai derrubar essa ideia. Sem dúvida alguma, um documentário absolutamente necessário, que deveria ser exibido no maior número de lugares possível, para quem sabe, um dia, nossos meninos possam crescer emocionalmente saudáveis numa sociedade mais respeitosa entre os gêneros.
SENTIDOS DO AMOR
Falei: É ESSE, DÁ O PLAY, MACACO. Porém, a decepção não demorou a chegar. Sentidos do amor simplesmente não me satisfez. "Sem amor não há nada", diz a frase que embala a capa do DVD comercial. Quer dizer, tipo assim, imagine um mundo onde todos cheguem ao ponto de não poder enxergar, nem ouvir, nem falar, nem cheirar. De cair o cu da bunda, pois é, então realmente se você tiver alguém que ama com você, mesmo nesse contexto merda, é um alento. Mas Sentidos do amor jamais chega a te envolver na história; é tudo tratado com uma superficialidade que te faz esperar por um mergulho profundo que nunca chega. Não funcionou como romance, nem como drama apocalíptico-catastrófico e, se teve alguma crítica social disfarçada no lance da epidemia, eu não pesquei.
Achei de uma conveniência bem incômoda um personagem que trabalha justamente com comida, em uma sociedade em que as pessoas perderam a capacidade de sentir o gosto dela. E elas tentam viver normalmente, entre uma cena filosófica e outra que divaga sobre a vida, quando na realidade seria impossível levarem tão na boa assim. OK, GALERA, TEM UMA PRAGA MISTERIOSA ACOMETENDO O MUNDO, MAS BORA SEGUIR EM FRENTE. Imagine pessoas sem olfato e paladar, num restaurante, conversando por meio de linguagem dos sinais. Comendo sabonete durante o banho, fazendo piadas. Não dá, não comprei. Ou melhor, não me compraram.
Acho que o único momento que me tocou foram os últimos segundos do filme, que até me levaram a refletir sobre o que aconteceria depois. E só. Sentidos do amor realmente tem uma ideia boa, mas foi desperdiçada.
(meia estrela porque tem a Eva Green pra gente admirar)