Ah, Gillian Flynn. Apenas dois livros de sua autoria que eu li e já caí de amores. Pena que só existem três. Aguardo ansiosamente pelo próximo lançamento.
Ao contrário de Josh Malerman, que estreou no mundo literário com o horrendo Caixa de Pássaros, Flynn conseguiu sambar e fazer um espacate em cima da cara da sociedade com sua primeira obra, Objetos cortantes. A história é narrada em primeira pessoa por Camille Preaker, uma jornalista meia boca de Chicago que é obrigada a voltar à sua cidade natal, a pequena Wind Gap, para construir uma matéria a respeito do assassinato de uma garotinha e do desaparecimento misterioso de outra. Sem recursos e recém-saída de um hospital psiquiátrico, onde foi internada para tratar sua tendência à automutilação, Camille se hospeda na casa da mãe neurótica – quem não vê há anos –, do padrasto e da meia-irmã de 13 anos que mal conhece.
Assim como em Lugares escuros e Garota exemplar (que não li, mas assisti ao filme, então dá pra ter uma ideia), Flynn choca o público-leitor ao trazer um drama com elementos perturbadores, muita tensão e um nível de compreensão impressionante das camadas mais imperfeitas do ser humano. Desde as primeiras páginas a gente sabe que está nas mãos de uma rainha. Ela constrói com paciência os passos que Camille dá para tentar encontrar respostas sobre o crime, enquanto revive memórias doloridas do passado e tenta se relacionar não só com a família que deixou em Wind Gap, mas com seus próprios demônios, estabelecendo uma ligação forte de empatia com ela.
O foco de Objetos cortantes é em Camille, sua mãe e a cidade em si, o que não torna o livro menos “thriller”. Até porque, cada vez que a personagem sai às ruas e descobre coisas novas sobre as pessoas que estão à sua volta, o cheiro de podre levanta e mistérios se agravam. Aliás, a resposta para um dos grandes mistérios do livro não pareceu surpreendente pra mim, mas de forma alguma tira o brilho de todo o resto. O que me incomodou (e sempre tem algo que incomoda né, mores) foi outra coisa.
A partir mais ou menos da página 200 (a edição que comprei tem 251), achei que Objetos cortantes perdeu um pouco da força. Ainda que Flynn nos conduza com habilidade até o clímax, a conclusão dos acontecimentos se deu de forma muito rápida, em contraste com tudo o que foi apresentado até então, além de deixar pontas soltas para questões que pediam encerramentos mais sólidos. Sabe quando um filme baseado em fatos reais termina e, antes dos créditos, aparecem aqueles textos contando o que houve com os personagens depois? Então, a impressão que ficou do final foi mais ou menos essa.
Mesmo não sendo o melhor de Gillian Flynn, Objetos cortantes é um ótimo suspense que merece ser lido e, depois, assistido: a HBO anunciou que vai produzir uma minissérie de 8 episódios baseada na história, com a maravilhosa da Amy Adams no papel de Camille. Tomara que não demore a sair.
“Seus dedos puxaram a toalha. Eu me aferrei a ela, dura como um pano de prato sobre meus seios, e balancei a cabeça.
– Por que isso? – sussurrou ele no meu ouvido.
– A imperdoável luz da manhã – sussurrei de volta. – Hora de abandonar a ilusão.
– Que ilusão?
– De que tudo vai ficar bem – disse, e beijei sua face.”