Novembro de 63 é o meu segundo livro favorito do Stephen King e um dos favoritos da vida. Tijolão, do jeitinho que eu gosto. É por isso que, com muita alegria no coração, me preparei durante dois meses pra assistir à minissérie baseada na obra que estreou em fevereiro, produzida por J. J. Abrams (Lost, Cloverfield e Star Wars – O despertar da força) e com James Franco no papel do protagonista.
Jake Epping é um modesto professor inglês de Lisbon, Maine (sempre, sempre o Maine), que conhece uma fenda do tempo localizada dentro da despensa do restaurante de seu grande amigo, Al. Uma vez que você passa por essa fenda, você é lançado diretamente para o ano de 1958 e pode ficar à vontade por lá, porque cada vez que você retorna só se passam 2 minutos no tempo presente. Al, cansado de transitar entre os dois universos e bastante doente, incumbe Jake de uma importante missão: impedir o assassinato do presidente Kennedy em novembro de 1963.
Ahhh, mais uma história de viagem no tempo, você deve estar pensando. É. Mas não uma viagem qualquer: primeiro, que é escrita com toda a maestria do King; segundo, o contexto, regras das viagens e efeitos borboleta são extremamente coesos e, terceiro, é tudo embasado em muita, muita pesquisa a respeito de acontecimentos reais que só contribuem para que o drama fique bem amarrado, verossímil e envolvente.
Tá bom. Mas, Manu, de 1958 a 1963 são 5 anos. Qual o tipo de linguiça que o autor chuchou aí? Nenhuma, amigos. King tem, mais uma vez, a minha admiração pelo que ele conseguiu construir aqui. Com base nas muitas anotações de Al, Jake teve esse tempo todo para iniciar sua trajetória de se adaptar ao novo (ou melhor, velho) mundo, viver sob nova identidade e vigiar bem de perto Lee Harvey Oswald, o verdadeiro acusado de ser o assassino do presidente. O ex-marine americano que derrotou a então União Soviética voltou para os EUA com sua esposa, a russa Marina, para poucos anos depois deixar sua marca na História.
À esquerda, Lee Harvery Oswald interpretado por Daniel Webber. À direita, o Lee real. |
A reconstrução de época na adaptação, aliás, é soberba. Deve ter dado um puta trabalho, mas a direção de arte e figurinos estão de parabéns. E, ainda que o contraste seja muito evidente, é interessante como a fotografia trabalha com cores muito vivas quando Jake está no passado e com cores lavadas e sombrias quando volta para o presente, sugerindo não apenas a energia dos acontecimentos, mas o lugar onde Jake se sente em casa.
Porém, como nem tudo são flores, ainda estou em dúvida sobre o que achar de um ponto específico: a introdução de um personagem que não existe no livro. Quer dizer, existe, mas só ocupa algumas poucas páginas e logo sai de cena: Bill.
No livro, Bill surge apenas pra servir de ferramenta de impedimento para Jake realizar um determinado feito (porque fica evidente, mais no livro do que na série, que o passado é praticamente um personagem à parte e faz de tudo pra não ser alterado por ninguém). Na adaptação, Bill também cumpre esse papel, mas depois se junta à Jake na empreitada contra Lee Harvey.
É compreensível que os produtores tenham decidido fazer isso como solução para externar os pensamentos de Jake, metodologias e objetivos, já que na obra original ele faz tudo sozinho e, pra isso, obviamente basta contar apenas com o texto. O problema é que incluir um personagem que não "será necessário" pro desfecho da história requer um desfecho cuidadoso para ele mesmo, e não acho nem um pouco que foi o caso de Bill. Abriu um parênteses sem sentido na relação entre ele e Jake e ainda arranhou a imagem deste último pra nada.
Agora, vamos à seção Stephen King Adora Cruzar Passagens De Seus Livros Com Outros Livros. Em Novembro de 63, ele coloca Jake esbarrando em dois personagens de A Coisa, meu livro favorito, enquanto visita a cidade de Derry, o que me levou a batimentos cardíacos acima dos 100. 11.22.63 não adaptou essa parte, mas em compensação inseriu um easter egg de O iluminado:
Esse REDRUM escrito na parede aparece por poucos segundos enquanto Sadie e Jake sobem as escadas de um prédio bem importante e é uma clara referência a essa outra obra de Stephen King, que aparece tanto no livro quanto no filme do Kubrick. Não vou falar o segredo dessa palavra misteriosa pra não estragar a experiência de quem ainda pretende assistir a O iluminado, mas a dica é: tem tudo a ver com esse momento de 11.22.63. ;)
Por fim, é bom frisar: King às vezes consegue acertar em cheio o tom dos finais de seus livros, e acho que o de Novembro de 63 foi um grande fator pra eu ter gostado tanto do livro; amarrou perfeitamente as últimas pontas e não poderia ter sido mais coerente. Esperei ansiosamente pelo último episódio da minissérie pra ver como tinham decidido contar e é com imenso prazer que afirmo que adaptaram do jeitinho que Novembro de 63 merece. Jake acerta as contas consigo mesmo, com seus erros, com o que se propôs a fazer e, por fim, consegue deixar o passado em seu lugar: pra trás.
De qualquer forma, leiam o livro. Mesmo uma minissérie de 8 episódios não foi o suficiente pra narrar toda a riqueza dessa história e a sorte de coisas que os personagens enfrentam ou que não puderam ser completamente adaptadas pra TV. Novembro de 63 é excelente. E 11.22.63 chega perto.
"Não pedimos este salão ou esta música.
Fomos convidados a entrar.
Portanto, porque a escuridão nos rodeia, voltamos nossos olhos para a luz.
Suportamos os momentos de dificuldade para agradecermos os de abundância.
Foi nos dada a dor para nos surpreendermos com a alegria.
Foi nos dada a vida para não aceitarmos a morte.
Não pedimos este salão ou esta música.
Mas já que estamos aqui,
vamos dançar."
"Tá tudo bem. Você é um bom homem, Mr. Epping. Você é um bom homem."