03 março 2016

Uma história sobre fé, vida e morte em "Revival"

postado por Manu Negri


Como é bom já ler livro de mozão Stephen King no começo do ano! (mozão no sentido de leitura boa, né, porque eu num garrava ele jamais.)

Revival foi lançado no final de 2014 e traz uma história que perpassa os mais de 50 anos da vida de Jamie Morton e seus encontros quase predestinados com o reverendo Charles Jacobs. Aos 6 anos, quando ainda morava em uma cidadezinha da Nova Inglaterra, Jamie se torna um grande amigo do jovem reverendo, que voltou a entusiasmar os cristãos locais com seus sermões contagiantes. No entanto, depois que uma tragédia o faz ser expulso da comunidade, passam-se muitos anos até que os destinos de ambos se cruzassem novamente: com trinta e poucos anos e viciado em drogas, um Jamie rockstar reencontra o então ex-reverendo, que revela estudar uma tal de eletricidade secreta capaz de curar as mais enfermas das pessoas. Capaz de renascê-las.

A sinopse parece não dizer muito? É, talvez. Revival nos transporta para uma história que se passa ao longo de mais de décadas, nos fazendo acompanhar de perto as transformações da vida de Jamie, o protagonista e narrador; e nem preciso dizer DE NOVO o quanto Stephen King tem um talento especial pra isso, né? Ele é capaz de tornar qualquer merda interessante de ler, e é por isso que Revival nos prende a cada página. Não, não por ser uma merda, pelamordedeus!, mas é que ação mesmo, do tipo que seus zóio arregala de ansiedade, você só vai encontrar lá pelo fim do livro.

Até lá, é a velha história de Mr. King se aproveitar de sua narrativa lenta e deliciosamente rica pra criar uma conexão entre leitor e personagem até o clímax. Ela sempre vai existir, em intensidades diferentes. Em Revival, confesso que a conexão não me fez cair de amores nem pelo Jamie e nem pelo Jacobs, mas no caso desse último é realmente mais difícil. O cara é misterioso e quase um projeto de vilão; o problema é que você passa o livro todo tentando definir se ele é ou não graças aos momentos de frieza e egoísmo em contraponto aos de sensibilidade e dor contidas. Aliás, há uma passagem particularmente marcante de um sermão que Jacobs profere quando ainda é reverendo, colocando à tona um dos pontos da história: o questionamento da fé religiosa, que anda ao lado da crença que temos em nós e nas pessoas. Sinto que Stephen King, hoje um homem já idoso, quis colocar toda a sapiência acumulada nesses anos de vida entre os parágrafos das páginas. "Ouçam a voz da experiência, crianças."

Revival, como o Mestre mesmo disse, foi inspirado nos romances góticos de H. P. Lovecraft – quem, pelo que pesquisei, escreveu livros em que seus protagonistas costumam analisar suas vidas através de eventos marcantes até que o aspecto sobrenatural entra forte em cena. Além do estilo, o grimório fictício de Lovecraft, chamado de Necronomicon, também é bastante referenciado. Outra grande homenageada é a obra de Mary Shelley que nós muito conhecemos: Frankenstein (há uma personagem chamada Mary com um filho chamado Victor e uma mãe de sobrenome Shelley). Mas as referências que gosto mais (me julguem) são aquelas feitas a outros títulos do próprio King. Aqui, ele menciona Joyland – ou melhor, Jacobs o faz, contando que quando jovem trabalhou no parque de diversões que dá nome à história – e, SE NÃO ME ENGANO, Doutor Sono: "A vida é uma roda, e sempre volta ao ponto onde começou."

Reiterando: é digna de palmas a capacidade do meu amado escritor de sustentar um mistério ao longo de centenas de páginas até que as grandes revelações apareçam. No entanto, em Revival, elas ocupam pouco espaço e infelizmente tiveram um impacto mediano sobre mim. Sei que Stephen King usa muito da fantasia pra enriquecer a trama, mas às vezes ele erra a mão, e acho que esse é um desses casos, destoando além do que eu gostaria do realismo construído em torno das vidas e trajetórias dos personagens.

Revival nos oferece um final sombrio, pessimista e é provavelmente por isso que King o julga como um dos mais assustadores que já concebeu. Mas o amedrontamento não está no susto, no pulinho que a gente dá quando um monstro surge de repente na cena de um filme, mas sim na crueza, na possibilidade do vazio do que existe no pós-vida, da reflexão de que somos formiguinhas no meio de um universo gigantesco.


"A religião é o equivalente teológico aos golpes de seguro fácil, em que você paga o prêmio ano após ano e depois, quando precisa dos benefícios pagos religiosamente, desculpem o trocadilho, descobre que a empresa que pegou seu dinheiro na verdade não existe."
"'Alguma coisa aconteceu', pensei. 'Alguma coisa aconteceu, e em breve a Mãe estará aqui.'"
"Casa é onde querem que você fique mais."




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