Hoje, 12 de outubro de 2015, ela completaria 102 anos.
Sempre achei engraçado o fato da minha avó fazer aniversário no Dia das Crianças. Isso porque nunca passava pela minha cabeça que, um dia, ela também já foi criança. Eu só a conhecia assim, com os cabelos sempre brancos (mas, as sobrancelhas, inexplicavelmente pretas), os óculos grossos que ampliavam seus olhos, as infinitas rugas, os dedinhos das mãos tortos pela ação da artrite e o seu andar pesado e vagaroso.
Vovó Dina (Geraldina ficava reservado à carteira de identidade) gostava de dizer que era minha segunda mãe. E era mesmo. Deixou sua casinha em João Neiva, interior do Espírito Santo, pra ajudar minha mãe – a biológica – a me criar até os 5 anos, depois que nasci 3 meses antes do prazo e meu pai ainda trabalhava em outro estado.
Dizem que o bem mais precioso que deixamos nesta terra são as lembranças da nossa história para aqueles que amamos. De vovó Dina, tenho a leve suspeita de que me ensinou a gostar mais do que deveria de doce, ao me introduzir nas mamadeiras açucaradas de leite e Nescau que preparava. Lembro-me com nitidez de me comprar uma caixa de chicletes de hortelã com figurinhas de O Rei Leão a caminho do supermercado em João Neiva e do almoço servido depois: bifes acebolados com arroz e feijão; a sobremesa era pudim de leite. As histórias sobre os antepassados italianos foram contadas mil e uma vezes, entre uma visita e outra, com um orgulho palpável na voz. Lembro-me dos roncos altos (quando dormimos no mesmo quarto por um tempo, cutucava suas costas com uma régua pra ver se amenizava o som), de como gostava de pegar sol na varanda enquanto trabalhava em suas peças de crochê e da confusão que fez quando Kaoma, minha golden retriever, chegou em casa com 2 meses de idade: “afinal essa cachorra se chama Paloma ou Kaloma?"
Parecem lembranças simples, mas significam tanto.
O ciclo da vida é mesmo irônico. Depois dos 97, vovó Dina voltou a ser criança. Ainda me chamava assoviando ao atravessar a porta do meu quarto, mas os passos não eram os mesmos. Precisamos ensiná-la a andar novamente, a comer sozinha e, às vezes, a falar. Quando, por ocasiões, tinha a certeza de que me reconhecia, seus olhos se enchiam d’água – talvez por se recordar das mesmas coisas que lhes conto agora –, o que aconteceu também em seu último dia com a gente.
Pouco antes de completar um século de vida, vovó Dina precisou ir embora. Foi uma dessas despedidas que não permitem pedidos pra ficar mais um pouco. Boa viagem, vó, bom descanso. Mando beijos sim, pode deixar. Seremos todos beijados a cada 12 de outubro, uma data que representa memórias de uma vida extraordinária que tivemos o prazer de fazer parte.