Estamos diante de uma grande pensadora contemporânea. Digo, além da Valesca Popozuda.
Quando li Precisamos falar sobre o Kevin, um dos melhores da vida, vi que Lionel Shriver era uma escritora única. Meu pensamento constante ao passar de páginas era "essa viada arrasa". Além de escrever estrogonoficamente bem, Shriver é extremamente honesta, inteligente e crítica, nos entregando uma história densa, feita para incomodar, cuja crueza revela personagens muito plausíveis.
Em "Grande irmão", a história é narrada em primeira pessoa pela protagonista Pandora, uma bem sucedida empreendedora que recebe o irmão mais velho Edison em casa, antes um conhecido pianista de jazz em Nova York, que agora está falido e sem ter onde morar. Desleixado e pesando 100 kg a mais desde a última vez que se viram, Edison causa espanto em Pandora e principalmente em Fletcher, seu marido sistemático, que começa a não gostar nada do desenrolar da situação.
Como dá pra deduzir pela sinopse, o livro aborda bastante a questão da obesidade e a gordofobia. Ao mesmo tempo em que os preconceitos sofridos por Edison nos chocam, são coisas muito comuns no dia a dia de muita gente e que não conseguimos enxergar, tornando-as uma violência banalizada. Não é à toa que o título original – Big Brother – faça referência a essa espécie de vigilância sobre a vida dos outros. Em meio a isso, assim como em Precisamos falar sobre o Kevin, tive sentimentos mistos em relação às personagens; Shriver não as cria para que necessariamente gostemos delas, e sim para que nos identifiquemos com algumas atitudes e pensamentos e, então, passemos a refletir.
Fiquei maravilhada, desconfortável e triste com "Grande irmão". Mergulhei de cabeça na história e me coloquei no lugar daquela família diante das mudanças e reviravoltas que a figura de Edison traz. A discussão em torno de sua obesidade é recheada com outras questões ao longo da narrativa: a relação entre irmãos, as amarras de um casamento, a forma como encaramos a comida, a aparência acima de tudo, vaidade, fama e a própria fome. Nós temos fome de quê? De preencher um vazio que existe em cada um de nós? Por que procuramos tantas maneiras de saciá-la?
Ao final do livro, eu suspeitava que viria um grande BUM! pra me fazer sacolejar e soltar um "puta merda". Não me enganei. Talvez essa seja a marca de Shriver e, por isso, desconfio que o objetivo dela ao escrever não seja conquistar nossos corações da maneira mais convencional pra um autor que busca sucesso. É provável que você fique irritado, chateado ou até se sinta enganado, mas certamente passará a última página sendo uma pessoa diferente daquela quando abriu a capa pela primeira vez.
- Peço desculpas por tê-lo chamado de gordo.
(…)
– Escute, cara, sei que sou gordo – falou Edison, enfim dirigindo-se diretamente a Fletcher. – Mas, do jeito que você fala, é como se eu fosse lixo. Não é uma descrição, mas um veredicto. Como se eu fosse uma abominação, a fonte de todo o mal e toda a podridão do universo. Eu como demais, mas não matei ninguém. Não sou pedófilo. Nem roubei a sua carteira, cara.
- (...) Quando as pessoas ficam transtornadas, elas dizem coisas da boca para a fora.
- Às vezes, elas perdem a cabeça e dizem exatamente o que querem dizer.
05 junho 2015
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Livros
O poderoso "Grande irmão", de Lionel Shriver
postado por Manu Negri
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