Ele não sabia se as coisas tinham murchado pela escassez de surpresas ou se as surpresas estavam escassas porque as coisas tinham murchado. O fato é que Marcelo estava disposto a mudar esse quadro. Aliás, não só mudar: dar um passo decisivo no relacionamento.
Dos 92 meses em que ele e Cláudia trocaram juras de amor, dormiram de conchinha, viajaram a dois e planejaram o futuro, os últimos 9 contavam mais com o presente e perdiam as contas das vezes em que um dos dois esquecia datas especiais. Marcelo se convenceu que era coisa da rotina, trabalho, cansaço. Uma vez, há uns 3 anos, ele pediu Cláudia em casamento enquanto tomavam a sexta taça de um vinho espanhol (de graça) na varanda da casa de seus pais, em uma festa de fim de ano (também de graça). Os olhos dela se encheram d'água um segundo antes de ela correr para o banheiro. Depois disso, ninguém mais tocou no assunto.
Não que fossem um casal tradicional, mas ele tinha a impressão de que Cláudia começou a pensar que estava mesmo demorando muito pra ele se ajoelhar, mostrar a caixinha de alianças e fazer a pergunta oficial. Deduziu isso depois de se despedirem certa vez no fim de semana, cada um voltando pra sua casa, enquanto reparava naquela expressão que ele chamou de "Ou caga ou quem sai da moita pra dar um rumo na vida sou eu, amado."
Marcelo separou um sábado pra comprar as alianças (tirou parte do dinheiro da poupança) e bolou o que, pra ele, seria a surpresa mais marcante dos quase 8 anos de namoro. Reservou uma mesa para dois em um dos restaurantes mais requintados e românticos da cidade e combinou com o garçom que, ao fim do jantar, ele entregaria para ela a conta junto com o anel. Marcelo sempre foi bem humorado, seria fácil dar umas risadas nessa hora; fácil como num primeiro encontro.
Cláudia estranhou o local escolhido, mas logo focou sua atenção no prato de entrada. Marcelo estava radiante de entusiasmo; ela, com o braço apoiado no queixo, parecia que já tinha visto de tudo nessa vida não uma, mas duas vezes. Entre assuntos como o tempo, a greve dos ônibus e se Paloma Raquel tinha ou não tinha matado a irmã na novela das nove, Marcelo tagarelava sem freios na língua. Cláudia resmungava entre goladas de soda.
Quarenta e cinco minutos depois, ele piscou para o garçom e pediu para encerrar. Lambeu os lábios, entrelaçou os dedos sobre a mesa e fitou Cláudia, que parecia um bocejo com pernas. O garçom entregou a conta para ela, mas a situação não provocou riso algum. Enquanto Cláudia abria tranquilamente o porta-comandas de couro preto, Marcelo (que mal conseguia se segurar) viu seu rosto mudar ao notar o brilho do anel dourado, numa expressão de completa perplexidade, e quase desmaiou quando ela se virou para o garçom e disse: "Aceito".
29 setembro 2014
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"Aceito"
postado por Manu Negri
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